Pela sua “representatividade e motivação”, o programa AconteSer tem um papel chave na criação de um movimento que antecipe mudanças já consagradas no plano da “Troika”, gerando massa crítica para uma mudança comportamental das empresas portuguesas. Os estrangulamentos causados por má gestão de tesouraria, recordistas no que ao Estado diz respeito, só podem ser resolvidos com “a adopção de incentivos, um enquadramento legal penalizador de práticas incumpridoras e uma visão inovadora de compromisso dos líderes”, conclui o recente estudo dedicado a pagamentos pontuais, coordenado por Augusto Mateus
O atraso no pagamento de facturas a fornecedores destrói anualmente catorze mil postos de trabalho. Por ano, Portugal perde cerca de seiscentos milhões de Euros, equivalentes a 0,4 por cento do Produto Interno Bruto, já que cerca de 48 mil milhões de Euros circulam com atraso entre as empresas. No acumulado dos últimos cinco anos, este incumprimento retirou 2,8 mil milhões de Valor Acrescentado Bruto (VAB) e liquidou 13,3 mil milhões de Euros da actividade económica portuguesa. Acresce que os prazos derraparam para oitenta dias em 2011, mais doze, em média, desde 2006. São estas as principais conclusões do estudo Compromisso de pagamento no prazo acordado – «Uma cultura de pagamentos atempados», apresentado esta semana, no Porto. Classificando o documento de “chocante e entusiasmante”, o presidente da ACEGE, associação que encomendou este relatório à Augusto Mateus & Associados (AM&A), no âmbito do novo Programa AconteSer (lançado em Setembro pela Associação Cristã de Empresários e Gestores, CIP, IAPMEI e APIFARMA), manifesta-se preocupado pela confirmação da “destruição de riqueza e emprego” que emana do estudo, mas sugere que “há solução, firmada numa mudança de atitude e num compromisso de boas práticas de líderes e gestores”. Exemplo dessa mudança seria fazer do pagamento a horas um critério na atribuição de prémios de excelência às empresas, ideia defendida por António Pinto Leite: o pagamento aos fornecedores no prazo acordado é o mínimo ético empresarial”. A este nível, o Estado “dá um péssimo exemplo”, acusa, já que as entidades públicas, “as mais relapsas” na hora de pagar, “pagam 23 por cento sobre valores que só vão cobrar quarenta dias depois”. A recomendação da Troika para que os prazos de pagamento não excedam os sessenta dias (extensível às entidades estatais) abre caminho, no entender de Pinto Leite, para que se inicie um novo ciclo na cultura de pagamentos, em consonância com o compromisso para pagamento pontuais da ACEGE. Este compromisso que faz parte no kit Liderar com responsabilidade, integrado no Programa AconteSer, será divulgado na entre 24 e 28 de Outubro um pouco por todo o país, através de cinquenta sessões que visam motivar 750 gestores e líderes para uma cultura de rigor, boas práticas e responsabilidade social, a bem da competitividade do país. Uma agenda para a mudança Tendo em consideração “as motivações e o papel” que cada um destes interlocutores pode – e deve – desempenhar, no que concerne um compromisso alargado para o pagamento das facturas no prazo acordado, as medidas de actuação recomendadas pelo estudo coordenado por Augusto Mateus incluem a elaboração de um Código de Conduta, por parte das entidades parceiras do AconteSer, a quem deverá caber a responsabilidade de disseminar boas práticas em matéria de cumprimento deste compromisso, junto dos seus associados. A dinamização de uma rede de empresas aderentes, que a ACEGE vem desenvolvendo no âmbito da iniciativa Compromisso Pagamento Pontual, a qual reúne já mais de oitenta signatários, é outro desafio essencial para “criar um movimento e um ciclo virtuoso que mude a circunstância actual e melhore a economia em que vivemos”, como defende António Pinto Leite. Participar no processo de certificação de boas-práticas de gestão de tesouraria e assumir um papel privilegiado enquanto plataforma interlocutora do Estado na definição e implementação de medidas relacionadas com esta temática são também abordagens essenciais, que os quatro promotores do Programa AconteSer devem impulsionar no sentido de participarem activamente numa agenda para a mudança, conclui o estudo.
Para o presidente da ACEGE, o elevado número de falências, principalmente em pequenas e médias empresas, que se continuam a verificar “porque as empresas não pagam ‘entre’ si, exportando o problema de umas para as outras”, constitui “uma chaga” que, ao nível do Estado, resulta de um “problema congénito” que é imperioso combater. No que respeita as associações empresariais, o documento coordenado por Augusto Mateus recomenda que estas preparem os seus associados para a implementação da Directiva 2011/7/CE, de Fevereiro, que prevê um prazo máximo de sessenta dias para pagamento de facturas, e que deverá ser transposta para a legislação nacional em Março de 2013. Promover o Código de Conduta elaborado pela ACEGE, CIP, IAPMEI e APIFARMA, garantir arbitragem negocial em caso de incumprimento, e criar uma entidade reguladora independente ou, em alternativa, atribuir funções à entidade que supervisione o cumprimento do Código de Conduta, divulgue os aderentes e promova um relacionamento privilegiado com os instrumentos financeiros de gestão de tesouraria, são outros desafios a que as associações empresariais devem dar resposta, aponta a AM&A. Por último (embora se tratem de medidas prioritárias face à situação recordista de mau pagador que o Estado continua a liderar), o estudo recomenda ao sector público: que prepare a introdução da Directiva Comunitária; que promova, também ele, o Código de Conduta sobre pagamentos no prazo acordado; que alargue a lista actual de prazos médios de pagamentos das instituições do Estado a todos o níveis da Administração Pública, incluindo a Local; que crie procedimentos de reversão do IVA quando o Estado se atrasa no pagamento das facturas; e, finalmente, que reforce as medidas de apoio à tesouraria envolvendo o IAPMEI e as entidades do sistema financeiro (banca, sociedades de Garantia Mútua, seguradoras de crédito, etc.). “AconteSer é chave para movimento de compromisso” Por outro lado, dinamizar a economia portuguesa “requer novas capacidades de investimento que alicercem estratégias de crescimento orientadas para a inovação e internacionalização, só possíveis de alcançar com a resolução dos problemas de liquidez e da generalização do acesso ao crédito a custos competitivos”, conclui o documento, sublinhando que tais capacidades “têm vindo a ser comprometidas ao longo da última década”. Face a um contexto tão exigente, o Programa AconteSer assume “um papel determinante na gestão da mudança de comportamentos”, acreditam os responsáveis pelo estudo: as mudanças de atitude em favor de novos paradigmas de comportamento e de novas práticas de gestão empresarial requerem a adopção de incentivos, um enquadramento legal penalizador de práticas incumpridoras e uma visão inovadora de compromisso de empresas líderes, que consagre novas abordagens de gestão de tesouraria, sublinham. Defendendo a oportunidade da iniciativa, num momento em que “as empresas estão bastante despertas para as dificuldades que lhe são causadas pelos atrasos nos recebimentos de produtos e serviços que já venderam”, a equipa da AM&A alerta que a adesão a um projecto desta envergadura “requer o envolvimento de um conjunto alargado de stakeholders e um processo comunicacional adequado que evidencie os ganhos para a sociedade da adopção de novas práticas”. Nesse sentido, medidas como a criação de um Código de Conduta e de uma certificação de boas-práticas de gestão de tesouraria “podem constituir projectos mobilizadores desta iniciativa”, cuja dinamização deve envolver um conjunto mais alargado de actores institucionais, que alargue a representatividade da proposta e assegure a sua qualidade técnica (o que deverá passar pelo envolvimento da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e da Associação de Bancos Portugueses, por exemplo). Paralelamente, deverá ser apresentada uma ‘agenda para a mudança’ dinâmica, que consagre o envolvimento cada vez mais alargado das empresas, das associações empresariais e do Estado, sugere o estudo. Esta filosofia de actuação insere-se “numa nova abordagem” de resolução dos problemas estruturais da sociedade portuguesa, em que “o Estado participa na solução mas a liderança das transformações é assegurada pelos actores económicos privados”.
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Jornalista