A corrupção não pode ser avaliada de forma inequívoca, uma vez que nunca existe apenas um motivo responsável pela sua ocorrência e desenvolvimento. E apesar da extensa literatura existente que a tenta explicar racionalmente, nos últimos 20 anos o fenómeno tem vindo a despertar um particular interesse junto de académicos mais relacionados com  estudo de abordagens individuais, psicossociais e cognitivas. Parámos em algumas estantes e espreitámos algumas das teorias subjacentes a um dos problemas mais prementes do mundo
POR HELENA OLIVEIRA

Proveniente do latim “corruptĭo”, na linguagem comum a corrupção é entendida como um comportamento desonesto ou ilegal, especialmente por parte de pessoas que ocupam posições de poder e autoridade. Na maioria das sociedades e de acordo com a percepção pública, a corrupção não é uma acção justificável, mas sim uma espécie de erva daninha que se alastra cada vez mais. Mas foi sempre assim?

O académico Štefan Šumah refere que vários filósofos ilustres, nomeadamente Platão (A República), Aristóteles (A Política), Maquiavel (O Príncipe), Hobbes (O Leviatã) e Montesquieu (Do Espírito das Leis), definiram este comportamento antiético como um sinal de decadência moral na sociedade, o que revela que o mesmo esta longe de ser um fenómeno novo.

Na verdade é tão antigo quanto a Antiguidade, altura em que a corrupção já era considerada como um mal que afectava negativamente a administração pública e o funcionamento do sistema político. A palavra (e o acto) é igualmente mencionada como um grande pecado na Bíblia: “Suborno não tomarás, porque o suborno cega os que vêem claramente e perverte as palavras dos justos”, sendo que os primeiros registos de corrupção, de acordo com alguns historiadores, remontam ao século XIII a.C., à época da civilização assíria.

Como refere ainda Štefan Šumah, ao longo da história, foram muitos os intelectuais que teorizaram sobre a corrupção de uma forma ou de outra. Por exemplo, Maquiavel tinha uma opinião negativa sobre as repúblicas, considerando-as ainda mais corruptas do que outros regimes e, segundo o autor do famoso “A Arte da Guerra”, a corrupção conduzia à degradação moral, à má educação e à má-fé.

Por outro lado, o grande filósofo, diplomata e advogado Sir Francis Bacon era conhecido por receber subornos. Reza a história de que quando chegou ao mais alto cargo judicial em Inglaterra, foi apanhado em 28 casos de aceitação de suborno e defendeu-se perante o parlamento dizendo que normalmente aceitava suborno de ambas as partes envolvidas e que, por isso, o dinheiro sujo não afectava as suas decisões. O Parlamento não aceitou estes originais argumentos e enviou-o para a prisão, onde passou apenas alguns dias, uma vez que conseguiu subornar o juiz.

Chegada aos nossos dias, a corrupção parece estar sempre presente, de uma forma ou outra, no nosso quotidiano, com o Fórum Económico Mundial a estimar que custe 5% do Produto Interno Bruto global (2,6 biliões de dólares) e as Nações Unidas a calcular que tanto as empresas como os indivíduos paguem mais de 1 bilião de dólares em subornos por ano. Além disso, as Nações Unidas identificaram a corrupção como o maior obstáculo aos seus esforços para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, que incluem a erradicação da pobreza e a melhoria da qualidade da educação, da saúde e das infra-estruturas.

Causas, motivações e teorias

Existem muitas teorias sobre as causas da corrupção, desde explicações culturais a modelos económicos. Mas tem sido dada relativamente pouca atenção às causas sócio-psicológicas deste fenómeno, especialmente a nível individual. No entanto, como argumenta a professora de sociologia e de ciência política Marina Zaloznaya, da Universidade do Iowa, “precisamos de prestar mais atenção à psicologia social [que inclui o individual] do comportamento corrupto se quisermos combatê-lo eficazmente”.

E, de facto, nos últimos anos tem-se vindo a assistir a um número crescente de estudos que investigam as razões pelas quais uma pessoa pode agir de forma desonesta e que, em particular, consideram que a tendência de um indivíduo para cometer actos corruptos pode depender tanto das circunstâncias envolventes como da identidade moral da pessoa.

Por outro lado, o psicólogo político Jon Mercer argumenta que as teorias da escolha racional “explicam como se deve raciocinar, não como se raciocina efectivamente”, sendo também verdade que há muito que as mesmas dominam o estudo académico da corrupção.

Kendra Dupuy, economista política e Siri Neset, psicóloga política, defendem que estas teorias explicam a corrupção como a função de um comportamento calculista, estratégico e auto-interessado. Segundo este ponto de vista, a corrupção é particularmente susceptível de ocorrer em situações de assimetria de poder, em que alguns indivíduos (agentes) detêm poder sobre outros (mandantes). Para as duas académicas, as pessoas são mais propensas a agir de forma corrupta quando têm vantagens pessoais, têm um menor autocontrolo, consideram que a corrupção só causará danos indirectos, sendo que o fazem mais facilmente quando trabalham em organizações onde o comportamento antiético não é punido.

Uma outra teoria muito falada assenta no denominado  Triângulo da Fraude, desenvolvido por Donald Cressey , sociólogo e criminologista que, em 1953 sugeriu que a interacção de três factores-chave – pressão, oportunidade e racionalização – instigava o comportamento fraudulento. De acordo com a teoria, pressões como dificuldades financeiras, dependência ou queixas pessoais, quando deparadas com a oportunidade certa, sejam controlos internos fracos, falta de supervisão ou sistemas de monitorização inadequados, podem levar as pessoas a explorar vulnerabilidades e a cometer fraudes. Este comportamento é assim justificado pela racionalização para se convencerem da necessidade de tais acções.

Cressey defende igualmente que os autores de fraudes perpetram os seus esquemas depois de avaliarem os seus benefícios e custos potenciais, nomeadamente no que respeita às probabilidades de serem apanhados. Só o fazem quando sentem que os benefícios excedem o risco e quando sentem que têm poucas hipóteses de ser descobertos. Outro factor que contribui para a prática da fraude é quando as pressões situacionais e as oportunidades são elevadas e a integridade pessoal é reduzida. No entanto, as explicações da escolha racional fazem suposições sobre motivações que podem não ser válidas. A psicologia, a psicologia política e a economia comportamental, em particular, têm colocado sérios desafios às teorias da escolha racional do comportamento humano.

Consequentemente, o fracasso das medidas políticas e programáticas anticorrupção inspiradas na escolha racional inspirou os académicos e profissionais dos estudos sobre corrupção a procurar abordagens alternativas para compreender os factores individuais que determinam o comportamento corrupto. Em particular, tem havido uma viragem para a sua exploração em vários domínios da psicologia e da economia comportamental.

Fenómeno multifacetado com forte dimensão individual e psicossocial

Até à data, os estudiosos da corrupção que se debruçaram sobre a psicologia da corrupção centraram-se principalmente nas determinantes psicológicas sociais do comportamento antiético, como a influência das normas, interacções e dinâmicas de grupo. E, de acordo com vários especialistas, esta opção é bem justificada, dada a natureza social e interactiva da corrupção. Todavia, esta abordagem negligencia os processos mentais a nível individual, tais como a tomada de decisões e o processamento de informações que conduzem as escolhas para agir de forma não ética. Esforços recentes sobre um nível mais profundo de compreensão do conceito de corrupção revelam que esta não é apenas uma questão de governação ou um problema político, mas um fenómeno complexo e multifacetado que tem também uma forte componente individual (e comportamental).

De acordo com Muhammad Manara, professor de Psicologia Social e do Trabalho na Universidade de Maastricht, a ética, a moral, os valores e a integridade, que são influências predominantes na definição dos resultados comportamentais do indivíduo e da sociedade, são profundamente influenciados pela constituição psicológica e vice-versa. Existe uma percepção mais generalizada de que o declínio geral dos valores e da ética na sociedade não só se manifesta num comportamento mais corrupto a nível individual, como também na recompensa de comportamentos corruptos por parte da sociedade.

Assim, em certos aspectos, parece que a corrupção actualmente tornou-se uma parte do estilo de vida e, por conseguinte, a luta contra este fenómeno não só exigirá uma intervenção a nível macro, sob a forma de uma melhor aplicação das leis e das políticas, como também exigirá uma compreensão e intervenções/alterações na constituição e nos processos psicológicos que estão na base do comportamento corrupto. Isto pode ajudar a cultivar uma compreensão integrada e multidisciplinar da corrupção que pode ser utilizada como estratégias “curativas” ou transformadoras a nível individual ou de grupo.

Como já afirmado anteriormente, as teorias tradicionais da corrupção fazem frequentemente suposições sobre motivações que podem não ser necessariamente válidas. E é por este motivo que se está crescentemente a explorar o poder de um paradigma teórico alternativo para explicar o comportamento corrupto: a psicologia cognitiva. Na literatura existente sobre a psicologia cognitiva da corrupção, foram encontradas provas da influência psicológica do poder, do ganho pessoal e do autocontrolo, da aversão à perda e da aceitação do risco, da racionalização e da emoção na propensão para agir de forma corrupta.

Como refere o paper assinado por Upneet Lalli e Praveen Kumari Singh, ambos professores na Universidade de Bombaim, de acordo com a literatura de investigação cognitiva sobre a corrupção, o processamento psicológico dos criminosos corruptos pode ser dividido em dois tipos: um é o processamento do interior para o exterior, que pode ser utilizado para descrever a “decadência moral”. Neste caso, o criminoso começa sempre por uma pequeno acto de corrupção inconsciente, passando gradualmente para grandes actos ilegais. Todo o processo é “baseado em impulsos”, defendem os autores. O outro é o processamento do exterior para o interior, em que o criminoso começa por cumprir as normas ou necessidades do grupo corrupto e acaba por ter um comportamento inconsciente ou normal em relação à corrupção, sendo todo o processo a distorção ou destruição da “integridade pela obediência”.

Traços de personalidade e abuso de poder

A nível individual e quando se trata de corrupção, é frequente colocarem-se em primeiro lugar as seguintes questões: Que tipos de pessoas são mais susceptíveis de agir de forma corrupta? Que tipo de personalidade possuem que as leva a obter lucros com a corrupção à custa dos outros? Por que é que estas pessoas tendem a envolver-se mais frequentemente em actos de corrupção do que outras?

Embora pesquisas anteriores tenham tentado desvendar a ocorrência de corrupção tanto a nível macro como a nível micro e tenham descoberto que esta é o resultado de interacções entre diversas variáveis (por exemplo, factores políticos, sociais, económicos ou psicológicos), até à data, poucas pesquisas têm explorado a gama mais ampla de traços de personalidade potencialmente associados a comportamentos corruptos. Um conjunto crescente de provas sugere que a Tríade Negra da personalidade (ou seja, maquiavelismo, narcisismo e psicopatia) está associada a comportamentos pouco éticos.

E foi essa a base para o estudo levado a cabo por Huanhuan Zhao, Heyun Zhang e  Yan Xu, professores na Escola de Psicologia sedeada na Universidade de Pequim, os quais acrescentaram ainda um terceiro elemento a esta associação: a crença na boa sorte.

Como defendem os autores, a corrupção baseia-se numa “troca” entre pelo menos dois parceiros, ou seja, quem corrompe e quem é corrompido fazem um acordo, colocando os seus interesses pessoais à frente dos demais. Vários outros estudos indicam que as pessoas com as três características da Tríade Negra se enquadram nesta descrição.

Em primeiro lugar, os três traços estão relacionados com a vontade de obter lucros à custa dos outros e os indivíduos que exibem tendências elevadas da Tríade Negra empregam meios desonestos para atingir objectivos pessoais sem se preocuparem com os interesses dos outros. Em segundo lugar, as características comuns da Tríade Negra, como a manipulação, a insensibilidade e o egoísmo, predizem os comportamentos tóxicos. Enquanto os maquiavélicos manipulam frequentemente os outros para ganho pessoal, os narcisistas são implacáveis e tóxicos quando têm poder.

Na visão de Muhammad Munara, embora o comportamento antiético e imoral partilhe semelhanças conceptuais com a corrupção, também difere dela em vários aspectos. O conceito de comportamento não ético abrange um vasto leque de comportamentos que violam normas morais (sociais) amplamente aceites, como a mentira, a batota e o roubo.

A corrupção, que pode ser vista como uma forma específica de comportamento não ético, inclui adicionalmente o abuso de poder ou de autoridade num contexto organizacional com efeitos negativos de grande alcance, não só nas organizações, mas na sociedade como um todo. O abuso de poder é, portanto, essencial para distinguir a corrupção de outras formas de comportamento antiético. Embora cada comportamento que viola certas normas tenha características diferentes e possa seguir um processo de tomada de decisão diferente, os académicos ainda não exploraram se a tomada de decisão na corrupção segue as mesmas fases propostas para outras formas de acções que violam as normas (por exemplo, comportamento antiético e imoral).

Devido à sua natureza complexa e ao seu grave impacto na organização e na sociedade, a corrupção tem sido estudada por várias disciplinas, como a antropologia, a economia, a sociologia, o direito, a ciência política, a ciência organizacional e a psicologia social. Mas nos últimos anos, são vários os estudos a revelarem que existem múltiplos factores psicológicos, tais como motivações, processos cognitivos, traços de personalidade, vulnerabilidade e factores individuais e sociais subjacentes ao comportamento dos autores de actos de corrupção.

Todavia e apesar do número crescente de áreas do saber que se vão dedicando à análise deste multifacetado problema, as estratégias anticorrupção parecem não estar a funcionar. Os académicos que estudam a corrupção parecem estar de acordo com a seguinte premissa: enquanto não se realizar mais investigação sobre o problema moral e psicológico da corrupção a nível individual e social, é muito difícil traçar estratégias anticorrupção que produzam soluções sustentáveis.

E, como sabemos, este fenómeno continua a ser um dos maiores e mais prementes problemas em muitos países do mundo, Portugal incluído.

Fontes consultadas:

The Social Psychology of Corruption

Corruption, Causes and Consequences

The cognitive psychology of corruption

Micro-level explanations for unethical behaviour

The Centre for Study of Corruption

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