POR MÁRIA POMBO
“Jovens” e “inovação” são dois conceitos que estão cada vez mais interligados, possivelmente porque é neles que se perspectivam as ideias de futuro, de novo, de desconhecido e até de melhor. Se aos mesmos aliarmos a ciência e a tecnologia, será relativamente fácil imaginar um conjunto infindável de experiências e descobertas que podem ser feitas, melhorando a vida da população em geral ou resolvendo um problema em particular. Adicionalmente, e acrescentando um enorme espírito criativo e investigativo, estão reunidas as condições necessárias à realização do Concurso para Jovens Cientistas e Investigadores (CJCI).
Esta competição nacional é promovida há mais de duas décadas pela Fundação da Juventude (FJ) e, na sua 24ª edição, os premiados conseguiram surpreender os jurados em áreas como a Matemática, as Ciências Médicas, a Biologia, as Ciências da Terra e a Química. O concurso é destinado a alunos do ensino básico, secundário ou que frequentem o 1º ano do ensino superior. Na mais recente edição participaram 163 projectos (envolvendo um total de 428 alunos e 82 professores de 59 escolas de todo o País) e os vencedores foram escolhidos e anunciados entre os dias 30 de Maio e 1 de Junho, na 10ª Mostra Nacional de Ciência.
[quote_center]O Concurso para Jovens Cientistas e Investigadores é destinado a alunos do ensino básico, secundário ou que frequentem o 1º ano do ensino superior[/quote_center]
Esta iniciativa, também organizada pela Fundação da Juventude, é um dos mais importantes eventos a nível europeu nesta área. Na mesma, estiveram expostos cem projectos seleccionados pelo júri, dos 163 que participaram no CJCI. Promover, entre os mais novos, o interesse pelas ciências e tecnologias, dando a conhecer a um conjunto diversificado de pessoas e organizações as suas respostas inovadoras para determinados problemas, é o principal objectivo deste certame. Pela primeira vez este ano, a convite da organização e com o intuito de reforçar a cooperação internacional entre jovens e organizações, participaram também diversos projectos vindos de outros países, nomeadamente do Brasil, de Espanha e de Moçambique.
Para o presidente executivo da Fundação da Juventude, o CJCI “constitui um factor revelador da qualidade do ensino que se pratica em Portugal e principalmente fora dos grandes centros urbanos”. Ricardo Carvalho deu como exemplo o grande interesse revelado por diversas escolas dos distritos de Castelo Branco e Leiria. Adicionalmente, José Vitor Pedroso, responsável pela Direcção-Geral de Educação, explica que este concurso “estimula o interesse e a motivação dos jovens pelo mundo da ciência”, ao mesmo tempo que “lhes proporciona a oportunidade de se familiarizarem com o processo investigativo em todas as suas fases”.
Quando os jovens ajudam a resolver e a prevenir “problemas dos adultos”
Os projectos mais inovadores foram eleitos após dois momentos distintos: primeiramente, o júri fez a avaliação da estrutura e apresentação de cada trabalho, bem como do seu conteúdo científico e nível de experimentação, escolhendo os cem que iriam participar na Mostra Nacional de Ciência; numa segunda fase, e através de uma entrevista no local, o júri avaliou a apresentação de cada projecto, a clareza do discurso dos seus responsáveis, e também o rigor científico, a originalidade e a criatividade de cada iniciativa, tendo escolhido aqueles que melhor corresponderiam a estas exigências.
Realizado por alunos da Escola Secundária de Arouca, o Neuro Teste foi o projecto vencedor desta edição do CJCI. Esta ferramenta inovadora tem o objectivo de testar compostos farmacológicos a baixo custo e pode ser utilizada na indústria farmacêutica, quer em estudos de neurotoxicologia ambiental, quer também na área da genética associada a doenças neuro-degenerativas. As larvas de Drosophila melanogaster (conhecida como a “mosca da fruta” e bastante utilizada na análise de substâncias) são a ‘chave desta equação’, tendo em conta que, por se manterem imóveis, nelas é possível testar diversos componentes in vivo e sem anestesia. Recorrendo a um sistema de transiluminação com luz fria (utilizado para detectar variadas deformações e anomalias nos órgãos de um corpo) e a ferramentas informáticas gratuitas que ajudam a monitorizar as alterações do neuro-comportamento padrão das larvas, esta técnica permite analisar um elevado número de químicos e detectar doenças como o Alzheimer ou o Parkinson.
[quote_center]Na mais recente edição do CJCI participaram 163 projectos[/quote_center]
Em segundo lugar neste concurso ficaram, ex-aequo, dois projectos, ambos de alunos da Escola Secundária da Azambuja e que recorrem a resíduos domésticos, utilizando-os de uma forma inteligente. Transformar as cascas de ovo num suplemento alimentar rico em cálcio, combatendo doenças como a osteoporose e o raquitismo, é o grande objectivo do primeiro destes projectos, o qual foi realizado pelos alunos Henrique Miguel Gonçalves, Margarida Ribeiro de Sousa e Nelya Kril. Entre outras vantagens, a utilização deste resíduo permite, a baixo custo, resolver diversos problemas de nutrição, nomeadamente junto da população mais carenciada e em países em desenvolvimento ou em guerra. Também utilizando um resíduo doméstico – neste caso a casca de banana – o segundo projecto permite diminuir a concentração de corantes catiónicos (como o azul-de-metileno) e de metais pesados (como o níquel) nos esgotos industriais. Este projecto pretende, assim, ajudar a resolver o problema do despejo de substâncias nocivas nos efluentes, contribuindo para a preservação da natureza.
“Quando a memória voa” é o nome do projecto premiado em terceiro lugar. Recorrendo às moscas de Drosophila melanogaster, um grupo de alunos da Escola Secundária Júlio Dinis, em Ovar, conseguem provar que a ingestão prolongada de Omeprazol (uma substância vulgarmente utilizada e que reduz a quantidade de ácido no estômago) tem efeitos de letargia e confusão, afectando a memória. Na prática, a ingestão prolongada deste químico origina a carência de vitamina B12, a qual é essencial à manutenção das funções do sistema nervoso.
Na área da matemática, o projecto premiado em 4º lugar pretende revolucionar a forma de fazer turismo, aliando a cultura ao cálculo. A ideia é de um grupo de alunos da Escola Básica e Secundária de Pinheiro e consiste em criar roteiros turísticos que permitam dar a conhecer aos visitantes determinados locais de interesse, ao mesmo tempo que lhes são apresentadas questões matemáticas associadas aos mesmos. Este projecto traduz-se numa forma inovadora e diferente de conhecer a cultura portuguesa, reconhecendo a importância da matemática para a mesma.
Dando a conhecer a sua região, os alunos no Instituto Educativo do Juncal criaram um roteiro geológico e paleontológico, alcançando assim a 5ª posição desta competição. Este roteiro pedestre destaca diversos aspectos da geodiversidade deste território, como a argila (pela sua importância para o desenvolvimento económico da região), os fósseis (de ostras, rudistas e bivalves), e ainda os botões florais e sementes característicos desta região, demonstrando assim a sua riqueza e interesse em termos geológicos, paleontológicos e económicos.
Um ‘ciclo virtuoso’ de boas ideias
O vasto painel de jurados deste concurso é constituído por representantes da Direcção-Geral da Educação do Ministério da Educação, da Agência para a Energia e da Agência Portuguesa do Ambiente, e também por professores e investigadores das diferentes áreas a concurso – Biologia, Ciências da Terra, Ciências do Ambiente, Ciências Sociais, Ciências Médicas, Economia, Eficiência Energética, Engenharia, Física, Informática, Matemática e Química. O júri é presidido por Gaspar Barreira, presidente e coordenador científico do Laboratório de Física Experimental de Partículas e Instrumentação Associada (LIP).
Os prémios para os melhores projectos cifraram-se em 1250 euros (para o 1º lugar), 1000 euros (divididos pelos segundos melhores projectos), 750 euros (para o 3º classificado), 600 euros (para o 4º premiado) e 400 euros (para o 5º qualificado). Complementarmente, e com o objectivo de reconhecer o empenho dos docentes e o seu contributo para a investigação científica, foi atribuído um montante de 400 euros ao professor que coordenou a “medalha de ouro” desta competição. Foram ainda atribuídos diversos prémios especiais, fruto de parcerias entre a Fundação da Juventude e outras organizações, a projectos que se distinguiram, por exemplo, nas áreas da eficiência energética e da engenharia.
Tão ou mais importante que o valor monetário é a visibilidade que o Concurso para Jovens Cientistas e Investigadores e a Mostra Nacional de Ciência podem dar aos projectos distinguidos, permitindo que os mesmos sejam vistos por potenciais interessados em desenvolvê-los e comercializá-los em grande escala.
[quote_center]Os vencedores do CJCI foram escolhidos e anunciados durante a 10ª Mostra Nacional de Ciência[/quote_center]
Estes projectos têm ainda a possibilidade de participar em diversos outros eventos a nível mundial. Entre esses eventos destacam-se: a Final Europeia do Concurso Europeu para Jovens Cientistas (EUCYS), entre os dias 15 e 20 de Setembro de 2016, em Bruxelas (Bélgica); a Semana Internacional Sobre a Vida Selvagem, a decorrer de 25 de Junho a 2 de Julho de 2016, nos Alpes Suíços; a MOSTRATEC – Mostra Internacional de Ciência e Engenharia, com data marcada para os dias 24 a 28 de Outubro de 2016, em Novo Hamburgo (Brasil); a Feira Internacional de Ciência e Engenharia dos EUA (Intel ISEF), a realizar de 14 a 19 de Maio de 2017, em Los Angeles (Califórnia); e o certame Zientzia Azoka, previsto para Abril de 2017, no País Basco (Espanha).
E, ao contrário do que habitualmente se pensa, atingir o reconhecimento nestes eventos não é uma utopia alcançada apenas “pelos outros”. Um dos vários exemplos que podem servir de inspiração aos talentos recentemente premiados é o reconhecimento de dois projectos portugueses – o “Smart Snails”, realizado por alunas da Escola Secundária de Arouca, e a iniciativa “Uma caracterização natural de semi-reticulados de bandas rectangulares e grupos de expoente dois” levada a cabo por um aluno do Colégio Planalto, em Lisboa – os quais alcançaram ex-aequo o primeiro lugar no Concurso Europeu para Jovens Cientistas e Investigadores, que decorreu na Polónia, em 2014.
Mais recentemente, os projectos “Modelação Astrofísica de Estrelas Wolf-Rayet”, concretizado por alunos da Escola Secundária Dona Maria II, em Braga, e “Semi-Reticulados de grupos de uma dada variedade e bandas rectangulares”, criado por alunos do Colégio Planalto em Lisboa, foram também premiados na edição deste ano da Intel ISEF, no Arizona (Estados Unidos).
Todas estas iniciativas revelam que o mérito dos jovens portugueses merece ser reconhecido, cá dentro e lá fora, e que as suas ideias inovadoras devem ser apoiadas e desenvolvidas, tendo em conta que conseguem (muitas delas a baixo custo) ajudar a resolver alguns dos maiores problemas a nível mundial, como a subnutrição das populações mais carenciadas ou a poluição ambiental, fruto de descargas industriais. E continuando este ‘ciclo virtuoso’, resta esperar que sejam estes jovens a inspirar os concorrentes da próxima edição do Concurso para Jovens Cientistas e Investigadores.
Jornalista