A Inovação em Portugal foi a exame e tirou um Satisfaz fraco. O Painel de Líderes do Barómetro da COTEC revê em baixa as políticas nesta área, e teme que o Programa de Empreendedorismo e Inovação do Governo não passe do plano das intenções. O momento não é propício para atrair investimento estrangeiro mas, como mostra a peça de Joana Vasconcelos, uma das dezoito personalidades que deram a sua opinião, alguma da inovação nacional pode andar de saltos altos: tem talento e originalidade
A COTEC divulgou esta quarta-feira uma nova ronda de opiniões de dezoito líderes nacionais sobre inovação. Com edição semestral, este terceiro Barómetro de Inovação apresenta os resultados do estado da inovação em Portugal, na perspectiva de um painel diversificado que integra empresários, gestores na área da indústria, dirigentes da sociedade civil, académicos e investigadores, artistas, e muitas outras personalidades que se distinguem, de algum modo, na sua carreira ou pela posição de liderança que ocupam. Numa escala de 1 (mínimo) a 7 (máximo), em média as políticas de inovação no nosso País são avaliadas, no período que compreende o segundo semestre de 2011, em 4,16. Este valor fica abaixo dos 4,3 registados na segunda edição do Barómetro da COTEC, e também dos 4,2 registados na primeira avaliação. Como explica Daniel Bessa, na tradicional escala de zero a vinte valores em que fomos educados, a inovação tira agora “um suficiente muito fraquinho” (equivalente a 10,5). Ainda assim, doze respondentes mantiveram o resultado atribuído na edição anterior, sublinha o professor. Paulo Azevedo, CEO da Sonae e João Caraça, director do Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris (este último, “de todos, o mais crítico, ou o mais exigente”, diz Daniel Bassa) sobem em um ponto a classificação que atribuíram à política de inovação em Portugal. Por oposição, o presidente da Critical Software, Gonçalo Quadros, reduz em três pontos a sua apreciação, “a mais desencantada e mais preocupada com as consequências da política de austeridade para o processo de inovação no nosso País”, conclui. No que concerne a política do Governo para a inovação, os líderes consideram-na, em geral, positiva, mas temem que o Programa Empreendedorismo e Inovação E+I não passe do plano das intenções. Ciente de que o País “vive um momento singular, submetido a um programa de equilíbrio financeiro muito severo”, o director-geral da COTEC Portugal comenta que “se o ministro das Finanças tem razões para se congratular com os resultados conseguidos num indicador tão importante, mas tão avançado, como o comportamento das taxas de juro em todos os prazos do mercado secundário de dívida pública, também é verdade que a batalha em que estamos envolvidos, mesmo que esteja a ser ganha, deixa mossas e, aqui e ali, chega mesmo a afectar a ‘moral das tropas’”.
Empreendedorismo com custos acima da produtividade João Caraça atribuí 2 valores (de 1 a 7) às políticas nesta área, menos ainda que Gonçalo Quadros, que revê em baixa (3 valores) a sua a avaliação: “não identifico desenvolvimentos positivos na política de inovação capazes de me gerarem confiança. Os constrangimentos são muito mais relevantes. Tenho ainda assim esperança que se possa corrigir rapidamente o que não está bem,” diz. E falar de constrangimentos é falar das políticas de austeridade, que para o chairman na Critical Software “estão a sufocar os centros de formação de saber”, com destaque para as universidades. Na sua opinião, “os cortes cegos e iguais prejudicam os melhores e nivelam por baixo. Estamos a ameaçar aquilo que é seminal para a inovação, onde vínhamos a fazer um bom trabalho (capacidade de produzir conhecimento, saber, engenharia, tecnologia). Nas universidades, por exemplo, o “clima de incerteza orçamental está a começar a pesar, fazendo com que haja investigadores que começam a procurar emprego fora de Portugal”, afirma, por sua vez, o professor na Kellogg School of Management da Universidade de Northwestern, Sérgio Rebelo. Para o também economista, as condições macroeconómicas “são, neste momento muito desfavoráveis ao empreendedorismo,” os custos de trabalho “são ainda elevados relativamente à produtividade”, os impostos “são elevados”, “é difícil” obter crédito e “a procura está em queda”. Nada que impeça em definitivo que a crise venha a ter “um papel catalisador, incentivando empresas a desenvolver novos produtos e processos para procurarem novos mercados”, conclui. E o que é facto é que a economia portuguesa “se tem aproximado a um ritmo bastante rápido do nível de I&D existente nas economias europeias mais sólidas”, como sublinha Paulo Azevedo. Entre os países da Europa do Sul, Portugal apresenta o melhor posicionamento, de acordo com os resultados do Barómetro de Inovação da COTEC, que revela uma “aposta crescente por parte das empresas em actividades internas de I&D”. Também “o forte envolvimento de entidades e organismos oficiais em múltiplas iniciativas ligadas à inovação fazem com que este tema tenha uma notoriedade marcadamente positiva”, conclui o CEO da Sonae. Mas apesar na nota 5 atribuída à política de inovação nacional, Paulo Azevedo não se poupa em críticas: “não se avançou suficientemente para os sectores de maior exigência e dinamismo tecnológico e económico, não se apostou na competitividade o suficiente para que Portugal atingisse níveis de eficiência que nos retirassem de uma vez por todas de um défice estrutural que consome energias”, afirma. Potencial científico desvalorizado por empresas Em clima de crise generalizada, acentua-se “a baixa disponibilidade do tecido académico para se envolver pragmaticamente em projectos de i&D+I (quer se dirijam a empresas ou, sobretudo, às universidades) ”, o que não tem sido combatido por políticas públicas “que incentivem decisivamente a alteração de atitude”, como comenta João Bento, presidente executivo da Efacec. Por outro lado, “a baixa capacidade dos decisores privados para captar o potencial científico e tecnológico instalado nas universidades, não tem sido suficientemente incentivada pela agenda política, mesmo nos domínios de conhecimento e de actividade económicas “eleitos” como prioritários, conclui João Bento, que ainda assim classifica com um 5 os resultados das políticas desenvolvidas nesta área. A mesma classificação atribuí Luís Portela, presidente do Conselho de Administração da Bial, para quem a “dinâmica do investimento em ciência das empresas e das entidades públicas foi profundamente alterado nos últimos anos, assistindo-se a um crescimento do papel das empresas, em resultado dos estímulos públicos”, caso dos incentivos fiscais à inovação (SIFIDE), um “contributo decisivo para o crescimento da I&D empresarial”, na opinião de Luís Portela. São também desenvolvimentos de assinalar a manutenção dos apoios financeiros do QREN à inovação e I&D, “apesar das limitações resultantes dos constrangimentos burocráticos de que padece”; e a “visibilidade mediática dos esforços e investimentos em ciência, com um aumento significativo do número de investigadores”. Já os maiores obstáculos ao progresso da inovação são, para o presidente da Bial, a excessiva burocracia associada aos incentivos financeiros do QREN, a desvalorização, no plano empresarial, do “enorme reforço” de meios humanos e técnicos em ciência nas instituições do sistema científico; a “enorme dificuldade de acesso ao crédito em condições de financiamento e em dimensão adequada aos projectos de I&D; a “escassa articulação” das políticas científicas e comercial (vulgo “exportações”); a ausência de instrumentos públicos “atractivos” para contratação de doutorados pelas empresas; e a “escassa valorização” da I&D de base nacional nas políticas de compras públicas. Desburocratizar para atrair investimento estrangeiro Nesta terceira ronda de opiniões dos líderes nacionais, o clima de crise “angustiante” que se vive nos países periféricos (Portugal mais do que incluído) é apontado pela generalidade como desmotivante para atrair investimento além-fronteiras, mas Paulo Azevedo, por exemplo, vai mais fundo – e mais atrás – e avisa que o investidor estrangeiro “só virá para Portugal se encontrar uma máquina fiscal eficiente e previsível, um enquadramento legislativo estável e um sistema judicial que funcione bem e a tempo”.
Segundo o CEO da Sonae, enquanto não se resolverem estes problemas, continuaremos a ter “muita dificuldade” em atrair investimento estrangeiro e o próprio investimento português “poderá sentir-se tentado a deslocar-se para outras paragens”. Lembrando que a relação entre estes custos de contexto e o investimento “está estudada há muito”, Paulo Azevedo lamenta “que nunca tenham daí sido extraídas as devidas consequências”. Também para a Efacec, os factores mais desmotivantes para assumir esse investimento em Portugal permanecem a ineficácia do sistema de justiça e ainda pesada carga administrativa e burocrática, “apesar dos imensos progressos dos anos recentes”. João Bento, presidente executivo da Efacec, propõem mesmo a criação de uma “one stop shop” com interacção centralizada para todos os licenciamentos necessários, para atrair mais investimento estrangeiro. A artista plástica Joana Vasconcelos refere também a burocracia, o esforço fiscal das empresas e a falta de eficácia da justiça como condicionantes à valorização de Portugal como destino para novos negócios, sublinhando, contudo, como vantagem, “o sentimento de que se trabalha com um povo culturalmente bem preparado, aberto ao mundo e ao conhecimento”. Infelizmente, os investidores estrangeiros “procuram áreas do globo com taxas de crescimento elevadas”, como nota Sérgio Rebelo, para quem “as zonas periféricas da Europa não são neste momento atraentes”. Para o economista e professor na Kellogg School of Management da Universidade de Northwestern, será difícil ganhar quota de mercado nestes mercados “já muito competitivos e onde a procura está a cair”. Gonçalo Quadros corrobora e deixa o alerta: nenhum investidor se aproxima de um país que pode entrar em “default” e de um país que pode abandonar a zona euro. Considerando as reformas que têm sido feitas, por exemplo, nos planos laboral e da mobilidade (caso da lei do arrendamento), “bons sinais para os investidores”, o chairman da Critical Software reconhece que, ainda assim, são sinais que “interessam pouco”, porque “o mais importante é, sem dúvida, sairmos do contexto de assistência financeira em que estamos”. Também na percepção do director do Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, João Caraça, desmotivante é o “clima de angústia que se instalou e que não deixa tempo nos media para desenvolvimentos construtivos”. O que fazer então para atrair o investidor estrangeiro? Valorizar o “considerável número de jovens com formação avançada desejosos de participar em aventuras com futuro”, diz João Caraça. Ou divulgar as condições positivas de trabalho em centros de excelência e em incubadoras eficazes, acrescenta. Já na opinião de Luís Portela, presidente do Conselho de Administração da Bial os aspectos mais relevantes a potenciar no nosso País são uma rede de infra-estruturas físicas de qualidade; uma relação qualidade-custo da mão-de-obra favorável; a aposta na ciência de uma forma “consistente”, que permita “disponibilidade de rede de entidades e de investigadores de boa qualificação em diferentes áreas”; qualidade e segurança da vida urbana acima da média; e a inserção de Portugal num “espaço económico lusófono em forte crescimento”.
O VER deixa-lhe algumas das afirmações mais relevantes a propósito de uma e da outra medida: QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE O NOVO PROGRAMA ESTRATÉGICO PARA O EMPREENDEDORISMO E A INOVAÇÃO (+E+I)? “Dou nota positiva ao Programa embora reserve melhor opinião para a sua concretização, até agora exclusivamente assente no programa QREN” – Gonçalo Quadros, Critical Software “O programa contém muitas ideias louváveis, mas é pouco concreto quanto ao modo de as aplicar” – Joana Vasconcelos”, artista plástica “Os objectivos estratégicos estão bem articulados, mas as áreas de intervenção não os cobrem na totalidade. Faltam as medidas para estimular a procura de inovação”, – João Caraça Centro Cultural da Gulbenkian em Paris “O novo Programa é um factor positivo para a melhoria das condições de enquadramento às dinâmicas de inovação, até porque aposta numa dupla perspectiva de continuidade das práticas e instrumentos públicos e de aposta numa melhor coordenação das acções públicas” – Luís Portela, Bial “Denota uma ideia interessante de causalidade entre empreendedorismo e inovação, mas para plano, parece sofrer de falta de objectivos, metas e recursos identificados” – João Bento, Efacec “Trata-se de um documento ainda muito genérico que funciona quase como uma Declaração de Intenções. Enumera quatro grandes áreas de intervenção e menciona dezanove medidas, mas para já não anuncia como vão ser resolvidas questões concretas” – Paulo Azevedo, CEO da Sonae COMO AVALIA O IMPACTO DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NO SISTEMA DE INCENTIVOS FISCAIS À I&D EMPRESARIAL (SIFIDE) PARA 2012? “É positivo que mesmo num momento de austeridade se tenha renovado o SIFIDE até 2015, pois é essencial não reduzir esta questão a uma perspectiva de curto prazo. Não me parece positivo o favorecimento das PME: teria sido mais avisado a utilização de uma estratégia de bonificação para as PME, ao invés de um trade-off que implicou reduzir incentivo às Grandes” –Gonçalo Quadros, Critical Software “As alterações introduzidas no SIFIDE podem gerar consequências profundamente negativas, decorrentes da não distinção entre I&D de carácter vincadamente incremental, e a procura de novos bens, processos e serviços, nomeadamente em actividades mais expostas à concorrência internacional, com forte intensidade em conhecimento e recurso a redes de saber externas às empresas” –Luís Portela, Bial “Vejo com preocupação a restrição de âmbito para empresas que não sejam micro, pequenas ou médias. Parece corresponder a uma visão de que a economia será relançada a partir exclusivamente das PME, minimizando o papel das empresas de maior dimensão” – João Bento, Efacec “As modificações introduzidas terão um impacto negativo nas empresas portuguesas, atendendo, a que a eliminação da dedução em resultado de investimento em activos intangíveis tornará impossível enquadrar no SIFIDE as despesas com contratos de saber-fazer e de transferência de tecnologia; apesar de reconhecer o mérito das micro e PME na I&D em Portugal, acentuar-se-á a descriminação relativa às grandes empresas, já que as despesas com pessoal directamente envolvido em tarefas de I&D passam a ser dedutíveis em apenas 90% do respectivo montante; e a aquisição de patentes que sejam destinadas à realização de actividades de I&D por parte das grandes empresas deixam de ser consideradas elegíveis” – Paulo Azevedo, CEO da Sonae |
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Valores, Ética e Responsabilidade