POR MÁRIA POMBO
A crise dos refugiados já não é novidade, mas continua a ser notícia um pouco por toda a parte e, na esmagadora maioria dos casos, pelas piores das razões. Com uma Europa ainda desunida quanto à estratégia a adoptar para lidar com este flagelo que não deixa de fazer vítimas, continuam a multiplicar-se as iniciativas, nomeadamente por parte de organizações sem fins lucrativos, com o propósito de encontrar mecanismos e soluções que ofereçam aos sobreviventes uma vida menos atribulada e mais segura que aquela que deixaram para trás.
“Integração” é uma das palavras de ordem mais aclamadas pelos que acreditam que negar “o presente ou o futuro” a estes seres humanos não é, de todo, a solução, podendo esta concretizar-se de variadíssimas formas, seja através do seu alojamento, por via de subsídios ou ainda e idealmente, através de trabalho remunerado. Todavia, o desconhecimento face ao grau académico destes migrantes limita muito as ofertas de trabalho, obrigando-os a aceitar tarefas mal remuneradas e a viver na precariedade. Adicionalmente e em qualquer dos casos, a língua (e o preconceito) tem sido um forte obstáculo à integração das famílias nas comunidades, contribuindo para a sua exclusão social em muitos dos países que as acolhem.
Segundo o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, são três as principais barreiras, para além da língua, que se erguem aos refugiados no que respeita ao acesso à universidade, encarado como um meio importante para o reconhecimento do seu valor e para uma mais fácil integração nas comunidades que os recebem. As dificuldades do ponto de vista legais constituem o primeiro obstáculo, na medida em que os refugiados não possuem os documentos necessários para ingressarem no ensino superior, como o certificado de habilitações do ensino secundário, por exemplo. Adicionalmente, a grande maioria dos refugiados deixa todos os seus (parcos) bens para trás: se o dinheiro para a alimentação é tantas vezes escasso, como é que vão suportar os custos inerentes à frequência universitária? Por fim, a capacidade, em termos “físicos”, das próprias universidades para albergar uma onda crescente de estudantes é encarada como a última grande barreira, sendo limitadas as vagas disponíveis em cada curso, mesmo para os alunos que concorrem através das vias mais comuns.
Quebrar barreiras e procurar soluções
Foi com o objectivo de promover o ensino superior junto deste grupo populacional, procurando soluções inovadoras e sustentáveis para resolver esta crise, que surgiu a Kiron University, uma universidade exclusiva para refugiados que combina o ensino à distância com o presencial. A ideia surgiu em 2014, fruto da vontade de tornar o ensino superior mais avançado tecnologicamente, a qual foi complementada com o desejo de ajudar os refugiados que todos os dias procuram uma vida melhor. Cerca de um ano depois, com uma estratégia bem definida e após uma campanha de crowdfunding que angariou mais de 216 mil dólares, foi fundada, em Berlim, esta escola inovadora. Os seus fundadores, Vincent Zimmer e Markus Kreßler, acreditam que “qualquer indivíduo na Terra consegue fazer o bem se lhe forem dadas as oportunidades e as ferramentas adequadas para tal”.
Para se inscreverem, os interessados necessitam de um computador com acesso à internet e de um comprovativo emitido pela Agência da ONU para os Refugiados que lhes confira o estatuto de refugiados. Até ao momento, existem mil alunos inscritos, maioritariamente vindos da Síria, mas são já mais de 15 mil os migrantes que demonstraram interesse em frequentar esta universidade.
As licenciaturas são gratuitas e têm a duração de três anos. Os dois primeiros anos são online – através dos denominados Massive Open Online Courses (MOOC) e reconhecidos como uma tendência que tem vindo a ganhar popularidade, desde 2014, junto da comunidade estudantil –, durante os quais a Universidade disponibiliza um conjunto de exames, exercícios e material de apoio ao estudo que os alunos podem descarregar e usar também em modo offline. Ao longo deste período, os migrantes podem organizar o calendário de acordo com as suas restantes actividades diárias e em qualquer parte do mundo. Após os dois primeiros anos de ensino à distância, concretizados com aproveitamento e já com um comprovativo de residência, os estudantes têm um ano de aulas presenciais numa das universidades parceiras da Kiron, e serão estas que lhes irão atribuir o grau académico de licenciados.
Todos os cursos são ministrados em inglês e em parceria com 23 universidades, de que são exemplo as gigantescas e reconhecidas Harvard, Stanford, MIT e Yale. Gestão, arquitectura, engenharia, informática, estudos interculturais, e ainda Inglês e Alemão, são os cursos que os alunos podem, até ao momento, escolher. Adicionalmente, e para os estudantes que têm dificuldades com a língua inglesa, a universidade disponibiliza um programa de apoio, denominado “Inglês como língua estrangeira”, o qual possibilita a aprendizagem do idioma antes de iniciarem a sua licenciatura. Uma outra particularidade desta universidade é que dá aos alunos a hipótese de fazerem uma espécie de “test drive” em algumas disciplinas, o qual lhes permite fazer escolhas mais informadas e de acordo com os seus objectivos pessoais e profissionais.
A importância do apoio que também é dado em offline
Complementando o apoio em termos curriculares, os estudantes da Kiron beneficiam, na sede desta universidade, em Berlim, de aconselhamento psicológico, cursos de preparação, cursos de línguas e outros apoios de que necessitem. Os alunos podem contar ainda com apoio de voluntários das diversas universidades, que os ajudam a integrar-se na vida académica e local. Adicionalmente, os mesmos estudantes são apoiados por mentores, que os ajudam a preparar a carreira e os apresentam a algumas organizações onde poderão eventualmente trabalhar. A universidade acompanha os seus estudantes durante e após a licenciatura, garantindo-lhes o melhor futuro possível, dentro da área que escolheram.
Para além de contar com o apoio de diversos estabelecimentos de ensino superior, a Kiron tem vindo a estabelecer parcerias com organizações locais sem fins lucrativos, as quais disponibilizam material informático, acesso à internet e acompanhamento aos estudantes, ajudando igualmente estes refugiados a cumprirem os seus objectivos e a construir um futuro mais risonho.
Sem necessitarem de pagar propinas, devido aos custos reduzidos da própria universidade e aos apoios de parceiros e mecenas, as barreiras em termos financeiros são também elas quebradas. Por fim, e também devido ao facto se tratar essencialmente de ensino à distância, a capacidade da universidade em termos de número de alunos não se assume como um grande problema, principalmente se considerarmos que, no último ano, os alunos são distribuídos de forma equilibrada pelos diversos estabelecimentos de ensino superior já referidos, evitando a sobrelotação de algumas das escolas mais desejadas.
A aposta da Kiron University na integração dos refugiados a partir da educação tem revelado um impacto positivo não só para os próprios, mas também para a sociedade, para a economia e para o próprio ensino. Não é possível esquecer que a educação, encarada como uma chave para o progresso económico e político, tem a capacidade de formar cidadãos responsáveis, empreendedores, informados e capazes de contribuir para uma sociedade mais saudável e inclusiva.
Por fim, a Kiron oferece uma solução de ensino mais acessível e interactivo e permite que os estudantes façam escolhas mais informadas e adequadas às suas expectativas, nomeadamente através dos “test drives” disponíveis online para algumas disciplinas. Este modelo cumpre, assim, o grande objectivo dos seus fundadores, que é ajudar a resolver, pelo menos em parte, a crise dos refugiados, revelando-se uma solução sustentável e de baixo custo, que contribui, por um lado, para uma mais fácil integração destes migrantes e, por outro lado, para o desenvolvimento das localidades e comunidades que os acolhem.
Dar as boas-vindas aos refugiados, aproveitando o espaço extra
Iniciativas como a Kiron University pertencem a um conjunto crescente de medidas inovadoras, levadas a cabo essencialmente por agentes não-governamentais, com o objectivo de promover a hospitalidade junto destes migrantes, apoiando a sua integração e evitando que vivam marginalizados. Uma outra iniciativa que tem o mesmo objectivo é a plataforma Refugees Welcome, existente em diversos países, entre os quais está Portugal.
Esta plataforma funciona de forma semelhante à Airbnb, ou seja, qualquer pessoa que tenha uma casa ou um quarto disponível pode registar-se e acolher outras pessoas, partilhando (neste caso com refugiados) o espaço extra que tem, por um tempo definido pelas partes envolvidas. Os promotores desta iniciativa acreditam que os refugiados conseguem integrar-se melhor na sociedade se não viverem à margem da mesma, em casas sobrelotadas e com parcas condições de higiene.
Para os interessados em receber migrantes, o processo é relativamente simples: os utilizadores registam os seus imóveis e os promotores da plataforma escolhem os migrantes que mais se adeqúem ao perfil pretendido, promovendo o contacto entre ambos. A ideia não é que os donos dos imóveis recebam uma renda por cada refugiado nem, por outro lado, que tenham que custear a sua vida, mas sim que apoiem a sua integração, usando o seu espaço extra e até então desaproveitado de uma forma útil e tendo contacto com uma nova cultura.
Adicionalmente, cada migrante terá um mentor para o ajudar a resolver qualquer questão, acompanhando todo o seu percurso de integração, desde que é recebido numa casa até ao tão desejado momento em que está completamente integrado e consegue viver autonomamente.
A título de curiosidade, até ao momento e a nível internacional já foram integrados em casas partilhadas cerca de 531 refugiados. A Alemanha e a Áustria são as nações que acolheram a larga maioria de migrantes, contando-se 267 casas na primeira e 251 na segunda, correspondendo cada casa a uma pessoa acolhida.
Jornalista