POR MÁRIA POMBO
Muitos países apostam na educação como uma forma de alcançar uma maior prosperidade, e a verdade é que, regra geral, as nações que têm taxas elevadas de sucesso escolar são normalmente mais ricas e mais desenvolvidas, quer a nível económico quer a nível social. Os custos que os governos têm em promover educação de qualidade são facilmente compensados por melhores empregos e uma maior geração de riqueza, sendo esta uma estratégia que beneficia toda a sociedade.
Porém, as desigualdades na educação (que se “arrastam” ao longo da vida e têm consequências posteriormente no mercado de trabalho e até nas gerações futuras) continuam a verificar-se em diversos países. O seu impacto ultrapassa as fronteiras nacionais e transforma-se num problema à escala mundial, interferindo também em outras áreas, como a saúde e a segurança. Isto significa que as regiões que, por diversos motivos, não proporcionam uma educação de qualidade a todos os seus cidadãos têm uma maior tendência para ter cuidados de saúde desadequados e insuficientes, ser alvo de uma maior agitação social e de uma maior taxa de criminalidade, e dependerem mais da ajuda financeira dos países ricos e desenvolvidos.
Foi com foco na ideia de que, se todos nascemos iguais, todos deveríamos ter as mesmas oportunidades, que a OCDE apresentou recentemente o estudo Education at a Glance 2018. Este é um dos mais extensos e completos estudos anuais sobre a educação, e os seus autores procuram analisar o modo como questões relacionadas com o status socioeconómico, o género ou o local onde se nasce influenciam o acesso a oportunidades e o nível de educação dos cidadãos. Procurar formas de alcançar a meta nº 4 dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – a qual está relacionada com a promoção da educação de qualidade para todos os cidadãos de todo o mundo – é um dos grandes propósitos do documento.
De acordo com o mesmo, a educação tem evoluído muito nos últimos anos, o que permite que mais crianças e jovens tenham hoje acesso a um ensino de qualidade e que não discrimina em função do género, da cor ou do estatuto social. Todavia, a presente edição deste estudo também serve para relembrar que ainda existem barreiras que precisam de ser quebradas e que este trabalho conjunto ainda está longe de ter um fim. A promessa de uma educação para todos está feita nos ODS e é necessário continuar a unir esforços e a procurar estratégias para a cumprir.
Diz-me se estudas, dir-te-ei quem serás
É verdade que a percentagem de alunos que frequentam a escola tem aumentado na última década. Porém, os filhos de pais pouco instruídos (que são normalmente aqueles que vivem com dificuldades financeiras) têm uma menor probabilidade de participar emactividades educativas desde tenra idade, sendo igualmente pouco provável que terminem o ensino secundário e frequentem o ensino superior, ao contrário do que se verifica junto dos filhos de pais mais instruídos.
De acordo com o documento, dois terços dos cidadãos adultos que são filhos de pais pouco instruídos esperam alcançar um nível de educação superior ao dos seus progenitores, sendo que a maioria escolhe o ensino vocacional. E entre os jovens cujos pais não foram além do ensino secundário, apenas 47% entram na universidade. Complementarmente, em dois terços dos países da OCDE com informação disponível, os adultos que têm pelo menos um progenitor licenciado revelam ter um melhor desempenho escolar do que aqueles cujos pais têm ambos níveis escolares mais baixos.
Um dos problemas mais graves desta realidade é o facto de tudo isto se reflectir no mercado laboral. Assim, uma em cada três crianças cujos pais são trabalhadores fabris irá exercer esta mesma profissão na idade adulta. E, embora saibamos que um canudo já não garante uma vida melhor, aqueles que apenas terminam o ensino secundário têm uma menor probabilidade de encontrar emprego e têm ordenados bastante inferiores aos que conseguem auferir aqueles que frequentam o ensino superior.
Para além do estatuto económico e social, uma outra conclusão aponta para a diferença, em termos de acesso a oportunidades de educação, entre as zonas rurais e urbanas. Adicionado ao facto de terem uma maior oferta, os estudantes que residem em zonas urbanas têm um melhor desempenho escolar do que aqueles que vivem em locais mais pequenos. O facto de os melhores professores preferirem os centros urbanos, de ser neles que se concentram as novidades tecnológicas e de ser lá que vivem muitas famílias com níveis de escolaridade ao nível do ensino superior são os principais motivos que justificam estas diferenças.
[quote_center]As desigualdades na educação “arrastam-se” ao longo da vida e têm consequências posteriormente no mercado de trabalho[/quote_center]
Em termos de género, a realidade comprova que as mulheres são mais bem-sucedidas na escola e menos no mercado de trabalho. O documento revela que 60% das reprovações no ensino secundário são feitas por rapazes, motivo pelo qual estes têm uma menor probabilidade de o terminar, quando comparados com as raparigas. Complementarmente, apenas 38% dos homens (contra 50% das mulheres) com idades entre os 25 e os 34 anos completaram o ensino superior.
Porém, e embora tenham uma melhor performance escolar, as mulheres continuam a não ser tão bem remuneradas nem a ter uma presença tão forte no mercado laboral como os homens. Entre os países da OCDE, 80% das mulheres e 89% dos homens que completaram o ensino superior estão actualmente a trabalhar, sendo que esta diferença aumenta entre aqueles que têm níveis de ensino mais baixos.
E se é verdade que as mulheres tendem a frequentar mais o ensino superior, o documento revela que os homens têm maiores competências ao nível numérico e escolhem áreas e profissões mais especializadas, como a programação, onde a taxa de empregabilidade é bastante elevada.
O documento indica ainda que as mulheres que possuem um curso superior auferem salários 26% mais baixos que os dos homens na mesma situação. Todas estas disparidades revelam que a desigualdade de género ainda existe mas também resultam do facto de a maioria das mulheres ainda passar por longos períodos de desemprego ou inactividade, o que faz diminuir o seu salário no momento de regressarem.
Estrangeiro ou nativo, eis a questão
E se pensamos que as desigualdades se verificam apenas entre classes sociais ou entre homens e mulheres, está na hora de olharmos para as dificuldades que os estrangeiros (ou filhos de imigrantes) enfrentam. De acordo com o documento, a primeira e a segunda gerações de imigrantes ocupam uma parcela muito reduzida entre aqueles que têm uma licenciatura. E os adultos que chegam ao país de acolhimento com 26 ou mais anos participam muito menos em programas de educação (formal e informal) que os nativos com a mesma idade – sendo que este facto se deve à não familiaridade dos estrangeiros com os sistemas de ensino do país que os acolhe.
Na maioria dos países da OCDE, as taxas de emprego dos licenciados estrangeiros são mais baixas do que as dos nativos com o mesmo grau académico, mas os estrangeiros com um nível de ensino inferior têm mais oportunidades de emprego do que aqueles que nasceram no seu próprio país. Estas tendências opostas reflectem a dificuldade dos estrangeiros licenciados em demonstrarem o seu valor e as suas competências junto dos empregadores dos países de acolhimento, mas também resultam do facto de muitos patrões preferirem contratar cidadãos de outros países devido ao facto de conseguirem pagar ordenados mais reduzidos.
[quote_center]A primeira e a segunda gerações de imigrantes ocupam uma parcela muito reduzida entre aqueles que têm uma licenciatura[/quote_center]
Uma situação preocupante está relacionada com o facto de 18% dos imigrantes não trabalharem nem estudarem (situação que se verifica junto de 13% dos jovens adultos que vivem no país onde nasceram).
Podemos dizer que o mundo está mais atento, que a informação circula mais depressa e que é mais fácil, hoje, chegar a todos os cantos do planeta. Todavia, existem grupos que continuam a não ter acesso a uma educação de qualidade que lhes dê ferramentas para poderem ter uma vida melhor do que aquela que tiveram os seus pais. As comunidades economicamente mais desfavorecidas devem ter direito às mesmas oportunidades de ensino que os mais ricos, a desigualdade entre homens e mulheres deve ser mitigada, e os estrangeiros e imigrantes devem ser tratados como cidadãos com os mesmos direitos, as mesmas competências e as mesmas oportunidades que os nativos do país que os acolhe.
Para isso, os autores do documento sugerem que se procurem recursos e meios para levar a educação às populações mais vulneráveis, que as reprovações sejam evitadas (estimulando e dando mais atenção aos alunos que têm mais dificuldades), que exista uma garantia de que os professores têm ao seu dispor todos os materiais e recursos necessários para fazerem um bom trabalho, não só no que respeita a ensinar os alunos mas também a identificar as suas maiores dificuldades, e que se encontrem ferramentas que permitam o acesso a uma educação gratuita de qualidade, em qualquer canto do mundo.
Como sublinha o relatório da OCDE, a educação de qualidade é um direito que deve ser garantido a todas as pessoas e um passo para uma sociedade mais justa e inclusiva.
Jornalista