A Informa D&B e a Sair da Casca realizaram, recentemente, um estudo sobre o apoio das empresas à comunidade, com dados referentes a 2012. Entrevistada pelo VER, Nathalie Ballan, sócia fundadora da consultora, defende a importância de as empresas desenvolverem soluções menos assistencialistas, que perdurem para “além dos patrocínios”. E fala também na emergência dos negócios ou investimentos sociais – que implicam um retorno, não só social, como financeiro
POR MÁRIA POMBO

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De acordo com um estudo lançado em Dezembro de 2013, pela Informa D&B, empresa que recolhe, organiza e analisa a informação empresarial, com a criação de indicadores que permitem enriquecer leituras comportamentais deste universo, e pela Sair da Casca, consultora em desenvolvimento sustentável e responsabilidade social, intitulado “Projecto de reflexão, investigação e debate: o apoio das empresas à comunidade”, os donativos das empresas, em 2012, ascenderam aos €112,6 milhões. Apesar de ter diminuído, entre 2010 e 2012, a percentagem destes mesmos donativos – consequência da própria diminuição do número de empresas que constituem o tecido empresarial –, o peso das grandes organizações acentuou-se neste período, sendo, inclusivamente o único segmento em que se verifica um crescimento, quer no total de donativos, quer no montante médio por organização. Registou-se também um decréscimo ao nível das PME (que representam 46% do valor de donativos e 99,3% das empresas que os fazem) e do montante global dos donativos. O universo de análise da Informa D&B foi constituído por 54.556 empresas que contribuem com donativos e que representam 20% do universo empresarial português.

No entanto, na perspectiva da Sair da Casca, que analisou em profundidade 43 empresas estes valores “não retratam a dimensão do apoio das empresas à comunidade”,  porque  estes dados referem apenas os donativos e não todos os montantes envolvidos em projectos de responsabilidade social. Se formos analisar por exemplo, oito das 43 empresas que compuseram a amostra constatamos que o valor económico distribuído para a comunidade e comunicado nos respetivos relatórios de sustentabilidade é superior ao valor atribuído a Donativos (IES).

A abordagem da Sair da Casca foi qualitativa e baseada na informação publicada em matéria de envolvimento com a comunidade, em empresas nacionais e multinacionais e pertencentes a nove sectores diferentes (telecomunicações, petrolífero, banca e seguros, utilities, retalho, grossista, transportes, indústria transformadora, construção).

As causas mais apoiadas pelas empresas analisadas são a Solidariedade (resultado ligado ao agravamento da crise) e a Educação, seguidas da Cultura, Ambiente e Empreendedorismo. Em 2009, um estudo similar realizado pela Sair da Casca concluiu que eram os projectos culturais os mais beneficiados e apoiados pelas empresas.

Analisando o impacto da actuação destas empresas e o seu envolvimento com a comunidade, verifica-se que há “sinais de mudança”: cerca de 80% facilitam a participação dos seus colaboradores em acções de voluntariado, no horário laboral (em 2009, a percentagem era de 65%), sendo que estas acções são feitas inter-empresas ou como resposta a algumas organizações sociais.

A comunicação destes números revela-se importante mas pouco praticada pelas empresas, sendo que estas comunicam essencialmente indicadores quantitativos, como número de beneficiários e número de acções, não sendo possível consultar um histórico do impacto social feito pelas mesmas.

Com o objectivo de perceber que sinais de mudança são estes, quais as vantagens, para as empresas, de terem objectivos comunicados, e o que pode ainda ser feito pelas mesmas em termos de impacto, social mas também financeiro, o VER entrevistou Nathalie Ballan, sócia fundadora da Sair da Casca.

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© Sair da Casca
Nathalie Ballan, sócia fundadora da
Consultora Sair da Casca

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No estudo, é referido que “existem sinais de mudança na forma como as empresas encaram o apoio social”. Que sinais são esses e em que é que se traduzem?
Desde do início do século, e muito reforçada pela visibilidade dos Objectivos do Milénio, uma questão emergiu: qual o contributo das empresas para o Desenvolvimento?

No contexto da crise, o social business captou o interesse da própria Comissão Europeia que, embora usando uma definição mais lata para as “empresas sociais”, pediu ao Professor Yunus para estar presente no lançamento da iniciativa da Comissão Europeia para o Social Business em 2011. Este interesse das instituições políticas para modelos inovadores tem a sua origem na constatação de que é preciso inovar para resolver os problemas sociais e ambientais, e que apenas soluções ‘co-construídas’ pelos diferentes actores podem resultar.

Os negócios inclusivos, as experimentações de social business pelas empresas, permitem ir mais longe do que a prática corrente do assistencialismo, desenvolver soluções duráveis que perduram além dos “patrocínios”, envolver verdadeiramente as partes interessadas, criar empregos, etc. A empresa social pode ajudar a reduzir custos e tornar economicamente viáveis serviços virados para a sociedade. Pode beneficiar também, por exemplo, dos “donativos” das empresas que querem mostrar a sua responsabilidade social. Alterando-se assim o rosto da filantropia, da dependência do “donativo” em que cada euro investido apenas tem uma vida. No caso do financiamento de empresas/negócios sociais, há uma exigência de sustentabilidade financeira, de rentabilidade até e o investimento pode ser reembolsado, pelo menos parcialmente.

E qual o panorama em Portugal?
Em Portugal, nos últimos anos, algumas das maiores empresas nacionais deram os primeiros sinais de mudança para a inovação social (que não abrange apenas o empreendedorismo social e os negócios sociais): fundações empresarias como a Fundação EDP criaram incubadoras para o negócio social, várias empresas e câmaras municipais apoiaram a criação de associações para o desenvolvimento do empreendedorismo social e foram lançadas incubadoras em vários pontos do país, com o contributo de empresas privadas; por seu turno, as empresas reforçaram o seu investimento em centros de formação ou programas para aumentar a empregabilidade dos seus colaboradores e da população jovem – ver as iniciativas recentemente lançadas pela Fundação Volkswagen e pela Nestlé (Nestlé Careers Global), com objectivos quantitativos claramente comunicados. A Delta está a criar um novo ecossistema social na sua zona de influência, com projectos extremamente inovadores como o Centro Educativo Alice Nabeiro. As empresas trabalham em conjunto o tema da avaliação do impacto social e são cada vez mais aquelas que começam a aplicar grelhas de “triagem” ou de pré-avaliação para seleccionar os projectos que vão apoiar, tentando criar regras para maximizar o impacto dos seus donativos e a transparência da sua selecção.

“No caso do financiamento de empresas/negócios sociais, há uma exigência de sustentabilidade financeira, de rentabilidade e o investimento pode ser reembolsado, pelo menos parcialmente” .
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Desde 2010 que existe uma aliança de empresas para o desenvolvimento dos negócios sociais, o Action Tank Portugal, que tem como missão juntar grandes empresas nacionais e multinacionais para criarem em conjunto novos modelos de negócio, com missão social, que empregam ou fornecem produtos ou serviços a populações excluídas. Pouco a pouco, aparecem mais sinais de uma nova atitude: mais empreendedora e colectiva. Projectos ‘co-construídos’ já não são uma excepção – de que é exemplo a Galp Energia Solidária, que junta a União das Misericórdias Portuguesas, União das Mutualidades Portuguesas e a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social – um verdadeiro projecto de negócio inclusivo e os vários projectos de voluntariado empresarial como o GIRO, o REPARAR, outras iniciativas como o BIS, o Fundo Bem Comum, etc..

Quais os principais factores de mudança, face a 2008/2010, que motivam as empresas a olhar para o empreendedorismo social como um negócio, com objectivos cada vez mais comunicados?
Não tenho certeza de que as empresas olhem o empreendedorismo social como um negócio ou pelo menos “só” como um negócio. As empresas podem ter vários tipos de abordagem BoP (Bottom of the Pyramid) que permitam desenvolver as comunidades locais, suprir carências graves em termos nutricionais, saúde etc., e ter um modelo económico pelo menos equilibrado. Hoje há muitos modelos híbridos (financiamento a fundo perdido que coabita com sistemas de financiamento mais tradicionais) e as empresas sabem que devem ser investidores pacientes. Mas o desafio vale a pena: é o da inovação, uma grande fonte de inspiração para encontrar soluções aos desafios sociais e ambientais num contexto do Planeta Terra, com recursos finitos e com 9 mil milhões de habitantes em 2050… Permite descobrir novos mercados, conhecendo realmente as necessidades do terreno. E é também uma estratégia poderosa para ganhar ou reforçar a sua licença para operar.

Afirmou, numa entrevista anteriormente publicada no VER, que as empresas já começaram a definir políticas ou linhas de actuação, mais focadas na procura de eficiência e eficácia. Quais são as principais vantagens, para as empresas, de comunicarem dados relativamente ao investimento na comunidade?
A comunicação é sempre a jusante da cadeia de valor. Ou seja, só se pode comunicar se existirem acções, resultados etc. Por isso a ideia de comunicar – também – sobre os donativos permite, numa primeira fase, fazer um trabalho de levantamento e questionamento. Ou seja, levanta questões como: Estamos a dar a quem? Quanto? Há quanto tempo? Porquê? E afinal qual foi o impacto deste nosso investimento ou dos projectos que apoiámos?

“A empresa pode perceber que, para além de dinheiro, pode trazer, por exemplo, as competências dos seus colaboradores ou que um financiamento apenas de um ano não faz sentido”

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Comunicar só para dar um número não tem grande interesse, mesmo considerando que deve existir disclosure para temas sociais, tal como há nos temas ambientais. Não deve haver pudor aqui. Estamos a falar de filantropia empresarial e não particular. Por isso, a primeira vantagem, depois desta coerência com a transparência em geral, é a da melhoria da gestão interna, que ocorre quase naturalmente. A segunda é a curiosidade, legítima, de tentar perceber o que mudou com estes donativos. Isso implica um diálogo com as entidades beneficiárias, uma cultura de feedback e de transparência, que começa na empresa e envolve as suas partes interessadas. Já aqui podem surgir recomendações ou constatações que permitem melhorar a eficiência de uma relação ou mesmo de um projecto. A empresa pode perceber que, para além de dinheiro, pode trazer, por exemplo, as competências dos seus colaboradores ou que um financiamento apenas de um ano não faz sentido. Também se pode levantar a questão da pertinência da dispersão dos donativos, a qual considero excessiva.

A Sair da Casca considera mais benéfico que um valor de, por exemplo, 20.000€, seja investido num único projecto, numa visão de retorno a médio prazo, em vez de o fazer em causas de resposta emergente. Para os projectos que beneficiam destes “donativos”, são claros os benefícios. E para as próprias empresas? Qual é o principal retorno que podem esperar deste tipo de investimento?
É difícil responder que sim com 100% de segurança mas, à partida e teoricamente, é o que nós defendemos.

Na Sair da Casca, a nossa reflexão é estruturada à volta desta questão: como é que as empresas podem optimizar o seu impacto na comunidade. O que está em causa não é, como vimos no estudo, uma questão de (falta) de generosidade. Os montantes alocados pelas empresas continuam a representar um volume substancial, sobretudo num contexto em que as necessidades aumentam, fragilizando ainda mais o sector social. E é precisamente porque estamos neste contexto que as empresas têm uma responsabilidade acrescida, tornando crítica a transparência da gestão e alocação dos donativos.

“Por enquanto, a maioria das empresas não aborda o tema do impacto social e ainda é mais raro encontrar referências ao investimento social”

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Por enquanto, a maioria das empresas não aborda o tema do impacto social e ainda é mais raro encontrar referências ao investimento social (que implica um retorno – social e financeiro); a alocação de orçamento continua a privilegiar a resposta a emergências e, mais raramente, um investimento a médio prazo, que possa dar segurança a uma instituição e permitir o seu desenvolvimento ou a criação de uma actividade económica com finalidade social. As empresas (ainda) não encaram o financiamento de empresas sociais como eixo das suas políticas de responsabilidade social. Os donativos são muito diluídos. A dificuldade das empresas em recusarem pedidos de apoio e a ausência de regras internas e a extrema capilaridade do sector social são os factores que estão na base desta enorme diluição dos orçamentos. O nosso propósito não é acabar com a resposta caritativa, que permite às empresas mostrar o seu envolvimento na comunidade e ainda responder a situações de urgência, mas podem existir duas políticas paralelas com orçamentos distintos: uma política mais reactiva de apoio imediato e uma política de investimento social, que tenha um foco, montantes substanciais, juntando co-investidores e com um rigoroso acompanhamento da execução e da avaliação.

É uma questão de equilíbrio. Cada empresa pode encontrar um modo de actuação em que consegue manter uma presença no terreno – apoios de baixo valor, mas que permitem manter o elo com os territórios onde a empresa está presente – e a concentração em poucos projectos, mas com forte investimento e, potencialmente, maior impacto social.

Que passos são ainda necessários para que as empresas percebam a importância deste investimento a médio prazo?
Questionar abertamente o que fazem, posicionarem-se: o que queremos atingir, onde queremos contribuir e fazer a diferença. Olhar para trás e tentar perceber o impacto dos seus donativos no passado, validar o grau de conforto com os resultados obtidos. O que devia manter-se? O que devia mudar?

Uma última questão: em termos práticos, quais são os verdadeiros benefícios da cultura de voluntariado? Que melhorias são estas, que levam as empresas a facilitarem a participação dos seus colaboradores em acções de voluntariado, no horário laboral?
A cultura do voluntariado tem um retorno interno claro: cria maior coesão, une os colaboradores. Credibiliza também a política de responsabilidade social da empresa porque a torna mais tangível. É positiva a nível individual porque valoriza as competências e/ou o civismo do colaborador, qualquer que seja o seu cargo/estatuto. É também uma ponte, um elo de ligação entre a empresa e a comunidade. Direi que é uma excelente e poderosa ferramenta de envolvimento e mesmo de comunicação. E, obviamente, tem o impacto externo que os colaboradores presenciam e que só pode reforçar o seu sentimento de pertença à empresa.

Jornalista