É uma informação útil para quem deseja arriscar trilhar os caminhos do empreendedorismo e para os investidores que pretendem financiar projectos que se transformem em empresas excepcionais. E é também um mito que se está a desconstruir: a de que são os mais jovens aqueles que maiores probabilidades têm de verem as suas start-ups no topo do sucesso. Um estudo recente demonstra que o factor “idade” importa, sim, mas não como estamos habituados a pensar. E a ciência dá uma ajuda também
POR HELENA OLIVEIRA
Muitos observadores, e muitos investidores, acreditam que as pessoas mais jovens são aquelas que maiores probabilidades têm para produzir as mais bem-sucedidas novas empresas. Um novo estudo, realizado em parceria por Benjamin Jones, professor de gestão e estratégia na Kellogg School of Management, por Pierre Azoulay e J. Daniel Kim do MIT e por Javier Miranda, do U.S. Census Bureau, deita por terra o mito de que são os mais jovens empreendedores aqueles que melhores resultados obtêm em empreendimentos inovadores, colocando a experiência à frente do rasgo e brilhantismo da juventude, em particular na indústria da tecnologia, aquela que tem mediatizado mentes brilhantes e jovens como a de Mark Zuckerberg ou a de Peter Thiel, o co-fundador da Paypal, entre outros exemplos similares.
A principal conclusão do estudo, que utiliza dados do U.S. Census Bureau para analisar as idades de fundadores de start-ups orientadas para o crescimento ao longo da última década, é a de que os empreendedores mais bem-sucedidos são de “meia-idade” e não jovens, e cujas idades rondam os 45 anos.
Um artigo produzido pelo KelloggInsight explora o estudo em causa e, em conjunto com as observações do professor de estratégia Benjamin Jones, dá a conhecer as principais implicações desta “descoberta”, não só para os aspirantes a empreendedores, mas também para a sociedade no geral. É que existe mesmo uma forte tendência, em particular no sector tecnológico, para se acreditar que são as mentes mais jovens as responsáveis pelas mais valiosas ideias, ideia não só contrariada pelo estudo agora publicado, mas também por outras pesquisas anteriores. Como afirma o próprio Jones, e tendo em conta uma sua outra investigação, “se olharmos para a idade e para os grandes feitos nas ciências em geral, [as boas ideias] não têm o seu pico na casa dos vintes (…), mas mais entre as pessoas de meia-idade”, como se pode constatar, por exemplo, com os vencedores dos prémios Nobel, cujos sucessos arrebatadores surgem cada vez mais tarde na vida. O mesmo acontece com os CEOs escolhidos para liderar as grandes empresas, como demonstra o ranking da Fortune de 2018, cujo top 10 é composto por líderes cujas idades variam, em média, entre os 50 e os 60 anos.
Todavia, sempre se julgou que Silicon Valley em particular, e a indústria tecnológica no geral, seria a excepção à regra. Mas, e de acordo com a extensa base de dados utilizada pelo estudo em causa, entre as novas empresas tecnológicas que mais rapidamente estão a crescer, os seus fundadores tinham, à data da fundação das mesmas, uma idade média de 45 anos. Os resultados indicam que uma pessoa com 40 anos tem 2.1 vezes mais de probabilidade para criar uma empresa de sucesso do que uma outra com 25 anos, sendo que as primeiras perfazem 3% do número de start-ups fundadas versus 1,7% para as segundas. Por seu turno, uma pessoa com 40 anos é 1.3 vezes mais propensa a fundar uma start-up que pertença ao 0,1% das mais bem-sucedidas comparativamente a um jovem de 25 anos.
A questão vista à luz da ciência, e que foi tema de um recente artigo na Quartz, o qual estabelece também, como já anteriormente referido, que os que têm idades compreendidas entre os 50 e os 60 anos são considerados melhores líderes, pode conferir também alguns argumentos que suportam este estudo, apesar de o tema ser distinto. O artigo em causa assegura que o processo de envelhecimento não é, apenas, “uma viagem pela colina abaixo”, pois apesar de algumas faculdades mentais declinarem com o tempo, outras capacidades cognitivas podem manter-se intactas – e até melhorarem – como comprovam descobertas científicas recentes. De acordo com Darlene Howard, psicóloga emérita na Georgetown University, e tendo em conta o equilíbrio entre estas perdas e ganhos, a idade ideal para se abraçar funções de liderança ronda os 55 anos.
As vantagens de uns e de outros
De regresso ao estudo liderado pelo professor de gestão e estratégia da Kellogg, as implicações dos resultados alcançados são importantes não só para os próprios potenciais empreendedores – os quais podem sobrestimar ou subestimar as suas hipóteses de sucesso com base na idade, mas também para as próprias empresas, visto que os capitalistas de risco, influenciados pelo pensamento popular, podem-se sentir mais relutantes em apostar nos empreendedores mais velhos e evitar que muitas start-ups, potencialmente bem-sucedidas, nunca saiam do plano de negócios.
“Se não estivermos a alocar os dólares às pessoas certas no empreendedorismo, poderemos estar a perder no que respeita aos avanços que mais contribuem para a prosperidade socioeconómica”, afirma Jones no artigo já citado.
Na teoria, acrescenta também, existe um conjunto significativo de razões para se pensar que os jovens são melhores empreendedores, especialmente na tecnologia. “Uma razão é a de que as pessoas jovens são especialmente propensas a ter ideias transformadoras – na medida em que não estão presos ao paradigma vigente”, dando o exemplo do fundador do Facebook e do seu primeiro mantra “move-te rapidamente e parte coisas”, o qual acredita piamente que os “mais jovens são mais espertos”. Assim, a ideia de transformação e disrupção é, geralmente, associada aos mais jovens.
Mas se existem pesquisas científicas variadas que concluem que algumas partes do cérebro começam a encolher a partir dos 20 anos, tal não significa uma perda de neurónios, mas antes alterações na sua dimensão e ligações entre os mesmos, as quais conduzem a diferenças em termos de funções cognitivas. E sim, em média, os adultos mais velhos tendem a perder algumas capacidades como a agilidade mental, o que pode afectar os seus tempos de reacção ou a capacidade para associar diferentes tipos de informação, comparativamente a adultos mais jovens. Também é verdade que aprender novas coisas pode igualmente tornar-se mais difícil (mas não impossível), sendo igualmente mais complicado lembrarem-se de palavras específicas ou manterem-se concentrados numa tarefa específica não estando imunes a distracções. Mas também há ganhos que merecem ser celebrados.
Por outro lado, e como refere Jones ao jornal interno da Kellogg, “enquanto nativos digitais, os empreendedores mais jovens podem também ter uma maior sensibilidade de como a tecnologia pode ir ao encontro das exigências e necessidades dos consumidores”. A juntar à lista dos benefícios reside o facto de as pessoas na casa dos vinte anos não terem ainda, em princípio, hipotecas e deveres familiares que as distraiam dos seus objectivos profissionais, estando sempre disponíveis, comparativamente aos mais velhos que têm responsabilidades de ordem variada.
Mas a história oposta também é verdadeira, pois as pessoas mais velhas não só já tiveram mais tempo para erguer o negócio em causa, como têm também um historial de liderança e experiência na resolução de problemas que ajudam uma start-up a trilhar mais directamente o caminho para o sucesso. Por seu turno e em termos de performance do cérebro, a flexibilidade do mesmo é aceite de acordo com uma teoria que afirma que este percebe os desafios que se colocam à cognição e arranja novas formas para trabalhar em consonância com os mesmos. Ou seja, uma pessoa mais velha pode usar mais regiões do cérebro para cumprir uma tarefa do que um individuo mais jovem, mas ambos podem fazer um determinado trabalho igualmente bem.
No que respeita aos empreendedores mais velhos, Benjamin Jones acrescenta também que apesar de estes poderem ter menos conhecimento das tendências mais actuais dos consumidores, em particular dos mais novos, este gap é compensado pelos conhecimentos mais vastos que têm sobre outras oportunidades de negócios, na medida em que “a experiência produz conhecimentos substanciais sobre mercados e tecnologias específicas, em conjunto com competências de liderança e de lidar com problemas que vão surgindo” – a tal flexibilidade e adaptabilidade do cérebro acima mencionada.
“Quanto mais tempo por cá se anda, melhores as probabilidades”
Há muito que Benjamin Jones desejava estudar esta temática, mas só agora, e com a ajuda da informação dos censos dos Estados Unidos, foi possível chegar a um universo de 2,7 milhões de fundadores de empresas e à idade “vencedora” entre os mesmos que se situa nos 41,9 anos. Todavia, esta extensa base de dados incluía todos os tipos de negócios, o que obrigou os investigadores a “isolar” uma amostra de empresas apenas de tecnologia, onde a “idade de ouro” do fundador médio se situa nos 45.0 anos, um dado que surpreendeu o próprio Jones. Para além dos números acima mencionados, o estudo revelou igualmente que um fundador com 50 anos tem 1.8 vezes mais de probabilidades de fundar uma empresa de topo comparativamente a um fundador com 30 anos, sendo que um jovem de 20 anos é quem tem as menores hipóteses de o fazer.
E o que mais explica esta vantagem dos mais velhos ou, por outras palavras, dos mais experientes, para a obtenção de taxas mais elevadas de sucesso? Será o facto de as suas competências de liderança serem mais fortes? Maiores recursos financeiros? Uma rede mais robusta de clientes e fornecedores? Ou outra coisa completamente diferente?
Apesar do enfoque do estudo em causa não ter por objectivo elencar todos os mecanismos subjacentes a este maior sucesso, algumas ideias são avançadas, como a de que os fundadores com três ou mais anos de experiência na mesma indústria que a sua respectiva start-up têm duas vezes mais de probabilidade de que esta seja uma das mil empresas com mais rápido crescimento, algo que também contradiz o senso comum, pois é costume afirmar-se que uma start-up que sirva uma indústria diferente tem mais hipóteses de vir a ser mais bem-sucedida. Jones pretende explorar também esta questão de forma mais aprofundada em pesquisas futuras, bem como um outro puzzle introduzido por este paper em particular: a de que embora sejam os mais velhos a construir empresas mais fortes, são os mais jovens que mais investimento recebem por parte dos capitalistas de risco e em doses significativamente desproporcionais.
Uma das hipóteses apontadas está relacionada com o facto de os jovens terem menos recursos financeiros, constituindo assim um “alvo” mais fácil para os investidores que pretendem ficar com uma fatia mais alargada da empresa ou também a possibilidade de estes acreditarem na ideia popular que diz que o sangue novo confere maior sucesso ao empreendimento em causa.
Para Jones, das duas uma: ou pode ser uma jogada racional por parte dos financiadores ou também e na verdade, um grande erro da sua parte. Adicionalmente e no que respeita aos próprios empreendedores, o “mito do jovem fundador” pode já ter contribuído para empurrar muitos jovens em aventuras arriscadas e, ao mesmo tempo, ter evitado que empreendedores mais velhos tenham corrido um risco que poderia resultar em bons resultados.
Voltando às pesquisas científicas e ao facto de as funções cognitivas sofrerem alterações à medida que vamos envelhecendo, existem algumas vantagens que os mais velhos poderão retirar do peso da sua idade. Por exemplo, podem ser melhores a resolver problemas abstractos e interpessoais e o facto de valorizarem o futuro tanto ou mais do que o presente confere-lhes igualmente uma maior capacidade para regularem as emoções a lidarem com sentimentos negativos. O que também pode ser útil aos empreendedores.
Ainda de acordo com a psicóloga Darlene Howard, e tendo em conta a altura em que os ganhos cognitivos associados ao envelhecimento estão no seu máximo e as perdas no mínimo, muito provavelmente a melhor idade para se ser um bom líder é aos 55 anos – pela menos é a resposta que dá quando a questionam sobre a melhor idade para se ser presidente dos Estados Unidos. Obviamente que existe muita variabilidade na forma como o cérebro de determinado indivíduo evolui, não sendo a idade o mais perfeito indicador para as competências de liderança mais refinadas ou para se fundar uma start-up. Mas, e de acordo com o top 10 do ranking da Fortune para as maiores empresas de 2018, a idade dos seus fundadores, em média, situa-se mesmo entre os 50 e os 60 anos: a Walmart, que ocupa o primeiro lugar, é quem tem um CEO mais novo, com 52 anos. Mas há sempre uma excepção à regra, como é o caso do multimilionário Warren Buffett, que preside aos destinos da sua lucrativa Berkshire Hathaway (3ª posição no top 10 da Fortune) com 88 anos.
Nestas coisas da idade, e regressando ao professor da Kellogg e ao seu estudo com os empreendedores tecnológicos, perguntar “desejo ser um empreendedor agora, neste exacto período da minha vida?” deve ser uma indagação obrigatória para qualquer pessoa que tenha de tomar uma decisão desta natureza.
Se a idade é assim tão importante para se atingir o sucesso não se pode saber ao certo, pese embora os dados deste estudo. Mas, e para terminar, como confirmam outros estudos, os níveis de felicidade aumentam consideravelmente a seguir aos 72 anos. Ou e por outras palavras, depois de se deixar de trabalhar. E de se fundar empresas.
Editora Executiva