As mulheres encontram vários obstáculos para chegarem ao topo da escada empresarial. Os homens não encontram obstáculos nenhuns. E é esta “discriminação” a responsável por se continuar a promover homens medíocres, deixando para trás um conjunto de pessoas muito mais competentes, humildes e integras, sejam mulheres ou homens. Esta é uma das teses do livro “Why Do So Many Incompetent Men Become Leaders”, que está a provocar reacções de vária ordem no ambiente organizacional, mas que não pretende apelar a um tratamento preferencial das mulheres, mas sim “elevar os padrões da liderança”
POR HELENA OLIVEIRA

O título é provocador e nem homens nem mulheres têm facilidade em sugeri-lo, apesar de os motivos serem diferentes. Elas porque não querem ser consideradas “feministas” ou “mulheres que odeiam homens” e eles porque nem sequer querem saber do que se trata.

Why Do So Many Incompetent Men Become Leaders (and how to fix it)” pode até ser considerado um livro sexista, na medida em que o autor acredita realmente que as mulheres podem ser, no geral, melhores líderes comparativamente aos seus pares masculinos, mas essa não é, de todo, a sua mensagem central. Para o autor, Tomas Chamorro-Premuzic, e se é verdade que o caminho para o topo trilhado pelas mulheres apresenta um conjunto significativo de obstáculos, o maior problema reside no facto de, neste caminho, os homens incompetentes não encontrarem obstáculo nenhum para lá chegarem. O resultado, diz, é que tanto nas empresas como na política, existe um excedente de homens incompetentes no comando, sendo que este mesmo excesso reduz as oportunidades para as pessoas competentes – mulheres e homens – ao mesmo tempo que mantém os padrões da liderança em níveis deprimentemente baixos. Assim, o objectivo do livro não é apelar a um tratamento preferencial das mulheres, mas sim “elevar os padrões da liderança”.

[quote_center]O objectivo do livro não é apelar a um tratamento preferencial das mulheres, mas sim “elevar os padrões da liderança”[/quote_center]

Chamorro-Premuzic é professor de psicologia organizacional na University College of London e na Columbia University, Chief Talent Scientist do Grupo Manpower e ainda co-fundador de duas empresas que implementam ferramentas tecnológicas para melhorar a retenção de trabalhadores. E este seu livro foi inspirado num blog com o mesmo título pertencente à Harvard Business Review, o qual recebeu mais feedback do que qualquer outro seu livro ou artigo anteriormente escritos. O livro centra-se em dois dos seus interesses profissionais por excelência – dados e a ideia de confiança – e um dos seus principais argumentos reside no facto de, regra geral, se utilizar mais a intuição do que as métricas para se avaliar a competência ou o potencial de alguém para chegar a líder, escrevendo que a confiança, ou a sua sobrestimação, pode muito bem ser “uma estratégia compensatória para uma baixa competência”.

Afirmando que existem três explicações populares para a sub-representação de mulheres em cargos de liderança – porque não são competentes, porque não estão interessadas ou porque são competentes e interessadas mas não conseguem quebrar o habitual e sempre presente “telhado de vidro” – o autor opta por uma quarta explicação: a de que existe uma barreira na carreira, baseada em estereótipos prejudiciais, que as impede de chegar ao topo. E, a seu ver, a principal razão para o rácio desequilibrado entre sexos na gestão reside na incapacidade vigente para se discernir entre confiança e competência. Citando estudos diversos que comprovam que os grupos à procura de um líder possuem uma tendência natural para eleger indivíduos autocentrados, com excesso de confiança e narcisistas, e que estas mesmas características diferem nos homens e nas mulheres, Chamorro-Premuzic assegura também que, em quase todos os locais do mundo, os homens consideram-se mais espertos do que as mulheres, sendo que esta arrogância e excesso de confiança estão inversamente relacionadas com o talento para a liderança, a qual tem como principais objectivos manter equipas de elevada performance motivadas e inspirar os seguidores a colocarem de lado a sua agenda de egoísmo para poderem trabalhar em prol dos interesses comuns do grupo em causa.

[quote_center]As empresas que são mais meritocráticas, menos nepotistas, menos políticas e mais orientadas pelos dados nos seus processos de identificação de talentos têm, geralmente, líderes com QI e QE mais elevados[/quote_center]

No livro apresenta também um conjunto de evidências – derivadas de estudos científicos e independentes que exploram os vectores das empresas eficazes – que demonstram que aquelas que são mais meritocráticas, menos nepotistas, menos políticas e mais orientadas pelos dados nos seus processos de identificação de talentos têm, geralmente, líderes com QI e QE mais elevados, ultrapassando as suas concorrentes. Têm receitas e lucros mais elevados, uma quota de mercado maior, as suas equipas mostram-se mais comprometidas com o seu propósito e missão, têm níveis mais elevados de produtividade e inovação, entre outros predicados. Para o autor o que acontece é que passámos décadas a seleccionar líderes com personalidades ultra-confiantes, que se concentram nos resultados e que até podem ter conhecimentos tecnológicos, mas que negligenciam traços de carácter como a empatia, a humildade e a integridade. E é por isso que considera que, na actualidade, ganham as empresas que têm líderes com estas características mais associadas ao “lado feminino da liderança”, que são capazes de se relacionar com os seus seguidores, sabem ser mentores, são capazes de colocarem os seus egos à margem e preocuparem-se com os interesses da equipa e dos que os seguem em primeiro lugar. Numa entrevista que concedeu à Knowledge@Wharton, Chamorro-Premuzic recorda também que à medida que a Inteligência Artificial for automatizando os aspectos algorítmicos da liderança e outras coisas como o processamento e a gestão de dados, mais líderes com elevados níveis de QE serão necessários, visto que a empatia é a “última fronteira da IA”.

[quote_center]Passámos décadas a seleccionar líderes com personalidades ultra-confiantes, que se concentram nos resultados e que até podem ter conhecimentos tecnológicos, mas que negligenciam traços de carácter como a empatia, a humildade e a integridade[/quote_center]

O autor alerta também para que em vez de se tratar a liderança como uma espécie destino glamoroso da carreira ou como uma recompensa pessoal por se ter atingido o topo, devemo-nos lembrar que a liderança é, ao invés, um recurso para a organização – sendo eficaz apenas quando os empregados dela beneficiam, aumentando a sua performance e motivação. Assim, elevar os padrões da liderança – e não somente ter mais mulheres em cargos de chefia – deverá ser a principal prioridade.

Maioria dos empregados insatisfeita com os seus líderes

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Os números não são novos, nem as avaliações que os empregados fazem dos seus líderes. De acordo com a Gallup, 75% das pessoas que se demitem dos seus empregos fazem-no por causa das suas chefias directas, o que comprova que a má liderança consiste na causa número um para o turnover voluntário em todo o mundo. Um outro estudo revela que 65% dos americanos admitem preferir mudar de chefia do que receber um aumento, mesmo sabendo que a “próxima” poderá ser tão má ou pior que a actual. E, como também sabemos, e na medida em as mulheres representam 50% da população adulta e, em grande parte do mundo industrializado, excedem os homens em número e em melhores resultados nas universidades, deveríamos esperar uma representação pelo menos igual entre homens e mulheres nos cargos de liderança. O que, e como é sobejamente reconhecido, não é verdade. Na maior parte do mundo, a noção de liderança é tão masculina que a maioria das pessoas tem de se esforçar sobremaneira para se lembrar de um nome de uma mulher líder, afirma também.

[quote_center]De acordo com a Gallup, 75% das pessoas que se demitem dos seus empregos fazem-no por causa das suas chefias directas[/quote_center]

Num artigo recentemente publicado na medium, o autor cita um estudo recente realizado junto de 1000 americanos a quem foi pedido para nomear uma líder de negócios famosa na indústria tecnológica: 92% dos inquiridos não souberam responder e os restantes 8% responderam “Alexa” ou “Siri” (para os mais distraídos, são os nomes das assistentes virtuais da Google e da Apple, respectivamente). O autor escreve ainda que quando contou a um dos seus clientes que estava a escrever um livro sobre mulheres e liderança, a resposta foi “então está a escrever dois livros, certo?”, o que tipifica a fraca associação existente entre mulheres e liderança. As estatísticas prosseguem e, considerando-se as empresas pertencentes ao índice S&P, em 2018 a proporção de mulheres nestas organizações declinou à medida que o poder da posição em causa ia aumentando.

Assim, a sua questão é a seguinte: e se estas observações – a de que a maioria dos líderes é má e a de que a maioria dos líderes é masculina – tiverem uma relação causal? Ou e por outras palavras, será que a prevalência de má liderança diminuiria se existissem menos homens e mais mulheres no comando?

Foi com esta questão de partida que Chamorro-Premuzic decidiu escrever o seu livro. No seu ensaio sobre o tema na Harvard Business Review e tendo em conta um extenso e diversificado corpo de pesquisa, o autor concluiu que seja nos negócios, no desporto ou na política, os melhores líderes são normalmente humildes – sendo que, por natureza, a humildade consiste num traço mais comum nas mulheres – e que, por exemplo, as mulheres suplantam os seus pares masculinos no que respeita à inteligência emocional, o que consiste num pré-requisito para comportamentos modestos. O auto cita também uma análise quantitativa de diferenças de género em termos de personalidade, que envolveu 23 mil participantes em 26 culturas, a qual indicava que as mulheres são mais sensíveis, atentas, e humildes do que os homens e, quando examinado o lado negro da personalidade, pesquisas extensas comprovam que os homens são, de forma consistente, mais arrogantes, manipuladores e com maior propensão para o risco do que as mulheres.

[quote_center]Na maior parte do mundo, a noção de liderança é tão masculina que a maioria das pessoas tem de se esforçar sobremaneira para se lembrar de um nome de uma mulher líder[/quote_center]

O autor afirma assim que a implicação paradoxal para a realidade da liderança é a de que as características psicológicas que permitem aos candidatos masculinos ascenderem ao topo da escada empresarial são exactamente as mesmas responsáveis pela sua queda (ou pela má impressão que deixam nos liderados). E, sem surpresas, a imagem mítica de um “líder” integra muitas dos traços comummente encontrados em desordens psicológicas, tal como o narcisismo (dando o exemplo de Steve Jobs e de Vladimir Putin), a psicopatia, o histrionismo (Richard Branson ou Steve Ballmer) ou a personalidade Maquiavélica, comum a muitos políticos. Para o professor de psicologia organizacional, o que é triste não é o facto de estas figuras míticas serem sub-representativas do gestor médio, mas o facto do gestor médio falhar precisamente porque tem estas características. É que e para o autor, a maioria dos líderes – seja na política ou nos negócios – falha, sendo que, a seu ver, sempre foi assim: a maioria dos países, empresas, sociedades e organizações são pobremente geridos, tal como indica a sua longevidade, receitas e índices de aprovação, ou os efeitos que têm nos cidadãos, empregados, subordinados ou membros, defende. Chamorro-Premuzic diz mesmo que “a boa liderança sempre foi a excepção e não a norma”.

Afirmando que não é difícil encontrar quem já tenha tido uma experiência particular de má gestão por parte de chefes que parecem alheios às suas limitações e que se sentem injustificadamente satisfeitos com eles próprios, demonstrando excesso de confiança, sendo abrasivos, arrogantes e demasiado seguros dos seus próprios talentos – “são os maiores fãs de si mesmos” -, para a maioria dos empregados em todo o mundo, a realidade laboral para quem eles trabalha é de ansiedade e não de inspiração, e de desconfiança em vez de segurança.

[quote_center]“A boa liderança sempre foi a excepção e não a norma”[/quote_center]

E porque estes chefes são, na esmagadora maioria dos casos, homens, muitos dos conselhos tipicamente oferecidos às mulheres potencialmente líderes privilegiam comportamentos estereotipadamente masculinos. Todavia, e quando as mulheres ostentam alguns traços de personalidade comuns aos homens – como o excesso de confiança – em vez de serem consideradas, como estes, “talhados para a liderança”, são vistas como “patologicamente ambiciosas” ou como “bulldozers” e toda a gente tem medo delas. Mas e mais uma vez, o autor afirma que o que está certo não é encorajar as mulheres a “serem como os homens” para melhorar as suas probabilidades de chegarem ao topo, mas antes corrigir os padrões e critérios vigentes de avaliação para que se escolha a competência em detrimento da ultra-confiança.

Há que confiar menos no instinto e mais nos dados

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Na medida em que a geração millennial começa a tomar conta da gestão e que alguns dos princípios em torno da liderança estão a sofrer alterações, a Knowledge@Wharton questionou o autor se a tendência descrita no seu livro poderá ter também uma componente geracional e se existem razões para pensarmos que o panorama da gestão de topo se possa vir a alterar.

Chamorro-Premuzic afirma ter visões contraditórias no que à temática diz respeito, dizendo que, desde logo, não existem ainda dados suficientes para se analisar a questão no que respeita às novas gerações. Apesar de reconhecer que os mais jovens se apresentam como mais curiosos, mais “mente aberta”, menos hierárquicos e menos autoritários do que os seus pares mais velhos, a verdade é que não tem certezas de que os primeiros não se tornem tão conservadores, tradicionais e hierárquicos como os segundos à medida que forem envelhecendo. E, por outro lado, acrescenta, “existem muitos dados que sugerem que os níveis de narcisismo têm estado a aumentar há sete ou oito décadas e que isso é geracional”. É por isso que sustenta que os conselhos típicos que se continuam a dar a quem almeja ser líder são todos do mesmo estilo: “não te preocupes com o que os outros pensam de ti”, “se achas que és fantástico, é porque és”, “concentra-te em ti mesmo” ou “podes ser tudo com o que sonhaste”. Ao invés, não é comum ouvir-se outro tipo de conselhos mais “sensíveis” como: “importa-te e muito com a tua reputação”, “sê altruísta” ou “preocupa-te com aquilo que os outros pensam de ti”. Para o autor, “nenhuma sociedade pode funcionar se toda a gente se centrar em si mesma e se toda a gente pensar que pode fazer o que bem lhe apetece, só porque foi nomeada para cargos de liderança”.

[quote_center]Actualmente, a liderança está relacionada com um conjunto de competências abstractas, intelectuais e emocionais que não podem ser observadas directamente[/quote_center]

Um dos capítulos do livro, intitulado “Aprender a desconfiar dos nossos instintos”, consiste também numa das principais mensagens que o professor de psicologia organizacional pretende passar e que está relacionada com a natureza complexa da própria liderança – ou do que, de acordo com a sua visão, a mesma deveria ser – e não comparativamente há 10 ou há 50 anos, mas há 200 mil anos, ou “quando a liderança era de fácil observação”. Como escreve, “se alguém parecesse forte, corajoso, alto e destemido – e estas pessoas eram sempre maioritariamente do sexo masculino – sabíamos que as devíamos seguir e que elas nos iriam proteger de potenciais ameaças”. Hoje, argumenta, a liderança está relacionada com um conjunto de competências abstractas, intelectuais e emocionais que não podem ser observadas directamente. E mesmo que sejam executivos inteligentes e sofisticados a responder à pergunta “o que faz de alguém um bom líder”, a resposta é algo como “eu sei quando vejo um, apenas sei”.

Ora e segundo o autor, as evidências mostram que não somos assim tão intuitivos quanto julgamos ser, acrescentando que na actualidade não existem desculpas para não se olhar para os dados e para as evidências, na medida em que existe uma ciência comprovada para identificar um verdadeiro potencial de liderança. Assim, há que deixar de confiar nos instintos e passar simplesmente a olhar para os dados.

Mas e afinal o que significa ser um bom líder nos dias que correm?

Chamorro-Premuzic dá sempre o exemplo de Angela Merkel, assegurando que a chanceler alemã reúne um conjunto vasto de competências que, por um lado, são obviamente relevantes para uma boa liderança e, por outro, são geralmente negligenciadas e não consideradas glamorosas o suficiente para que nos lembremos delas.

Em primeiro lugar, escreve, têm de ser competentes. Em segundo, têm de ser objectivos, justos, não tendenciosos e não ideológicos. Existe ainda um conjunto importantíssimo de competências relacionadas com a gestão das pessoas, bem como o altruísmo, a humildade e a capacidade de se ser um bom coach ao ponto de não se tomar decisões movidas pelo impulso, pelas emoções ou pela ideologia. “Se pensarmos num gestor de elevada performance na actualidade, todos eles parecem ser um pouco aborrecidos – tal como Angela Merkel”, diz. Não dão azo a grandes entusiasmos ou escândalos, são bastante previsíveis, as suas equipas sabem com o que contar. Se a isto juntarmos a integridade e a competência, temos então um líder de elevada performance que não perde estas competências mesmo quando chega ao topo da montanha. As pessoas desejam trabalhar para outros que não sejam egocêntricos, que sejam competentes e objectivos, e que sejam capazes de os perceber e julgar de forma a retirar o melhor que há nelas mesmas, garante.

[quote_center]Angela Merkel reúne um conjunto vasto de competências que, por um lado, são obviamente relevantes para uma boa liderança e, por outro, são geralmente negligenciadas e não consideradas glamorosas o suficiente para que nos lembremos delas[/quote_center]

Assim, Chamorro-Premuzic volta a relembrar que as empresas não devem concentrar os seus esforços em meros programas de diversidade, centrados no género, mas sim na competência, acrescentando ainda que os homens que ostentam competências mais “ao modo feminino” são também postos à margem, por não respeitarem os arquétipos tradicionais masculinos da liderança que continuam a povoar a mente de muitos.

No fim, o que importa, diz, é ter um líder que tenha o maior dos impactos positivos nas equipas que gere, nos seus subordinados, nos seus seguidores, nas organizações, nos países. E, para tal, há que abandonar o estereótipo do líder homem, do que mais ganha ou do que melhor posição detém nas fileiras da empresa. Abrindo assim caminho para os demais, sejam mulheres ou homens.

Editora Executiva