Todos os dias nos maravilhamos com os progressos da ciência e não é raro pensarmos que o conhecimento é tão infinito quanto os mistérios que ainda restam por desvendar. Mas será mesmo assim? Será a mente humana capaz de atravessar todas as fronteiras do desconhecido ou existirão limites para o conhecimento? É a esta pergunta que o matemático britânico Marcus du Sautoy pretende responder num extraordinário livro intitulado “What We Cannot Know”, numa viagem exploratória dos domínios mais obscuros da nossa existência. E para além dos mesmos também
POR
HELENA OLIVEIRA

Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? São três as perguntas que mais inquietam a Humanidade desde o início da história do pensamento e nem a Ciência nem a Fé conseguem provar, com argumentos válidos e testados, todas as teorias ou respostas que, até agora, foram tema de inúmeros escritos e de disciplinas tão díspares como as artes e a poesia, a literatura e as humanidades, a própria ciência ou a teologia.

Mas, e ao mesmo tempo, ao vivermos na era em que a ciência é rainha, não existe um dia em que não sejamos informados de novas descobertas revolucionárias que permitem desvendar um pouco mais do véu que cobre a nossa (in)compreensão do universo, de novas tecnologias que irão alterar radicalmente o ambiente em que vivemos, de novos avanços médicos que irão aumentar a nossa esperança de vida. Em simultâneo, na era dourada do conhecimento científico, grandes teorias foram já comprovadas, como a “detecção” do famoso bosão de Higgs, pelo CERN (o Laboratório Europeu de Física das Partículas), outras cientificamente “conseguidas” – como a sequenciação do genoma humano – e outras persistentemente estudadas como a demonstração do denominado “Último Teorema de Fermat”, resolvido depois de 358 anos a dar cabo da cabeça de muitos matemáticos. Por outro lado, o ritmo do progresso acelerado da ciência é também observado através do número crescente de publicações científicas, o qual duplica, de acordo com um artigo publicado na revista Economist, e desde a segunda guerra mundial em cada nove anos. Assim sendo, não será demasiado utópico questionar se, algum dia, a ciência nos dará resposta a todas as nossas grandes dúvidas e/ou inquietações. Se olharmos para a história, tudo indica que sim. Em todas as áreas da ciência, são incontáveis os “problemas”enunciados como não solucionáveis, até que chega alguém e os consegue resolver. Sendo assim, deveremos partir do princípio de que não existem limites para o nosso conhecimento?

É exactamente esta questão que há muito pairava na profícua mente de Marcus du Sautoy, “o menino bonito” da matemática no Reino Unido, sucessor do reconhecido e controverso Richard Dawkins na famosa cadeira de “Compreensão Pública da Ciência” em Oxford, vencedor de vários prémios de investigação matemática, considerado pela revista Esquire como uma das 100 pessoas mais influentes do Reino Unido, autor de vários best-sellers – o mais conhecido é “The Music of the Primes” – entre outras marcas de sucesso, nomeadamente a de apresentador da BBC de vários programas que têm como objectivo tornar a ciência “acessível” ao grande público, como é o caso de “The Story of Maths”.

Du Sautoy, que também é adepto fanático do Arsenal e que considera o futebol como “ geometria em movimento”, publicou recentemente o livro que haveria de constituir o produto de três anos de inquietação, pesquisa e entrevistas com cientistas de várias áreas, exactamente com o propósito de identificar os limites que se apresentam à ciência na actualidade (e também no futuro). Adequadamente intitulado “What We Cannot Know: Explorations at the Edge of Knowledge”, Du Sautoy elege algumas das perguntas mais questionadas de sempre, de que são exemplo as seguintes: “existem limites para o que conseguimos descobrir no nosso universo físico? Existem algumas ‘regiões” do futuro para além dos poderes preditivos da ciência e da matemática? O que existia antes do Big Bang? Existem ideias tão complexas que estão além da fundamentação por parte dos nossos cérebros humanos finitos? Existem declarações verdadeiras que nunca poderão ser comprovadas como verdades? Será que os mistérios da consciência humana alguma vez serão plenamente desvendados?” . E a lista poderia prosseguir tão indefinidamente quanto o tamanho do universo – a existência de um multiverso também é referida no livro, a propósito.

Todavia e mais importante do que aquilo que não sabemos ou do que nunca poderemos vir a saber, o que é realmente fascinante neste livro é a viagem que o matemático britânico nos propõe através destes mesmos limites do conhecimento, mesmo que não sejamos – como é o caso de quem assina este artigo – minimamente versados em física quântica, em sistemas matemáticos, biologia ou neurociência, ou noutra área cientifica qualquer.

Adicionalmente, também ajuda saber que o próprio génio matemático que escreve o livro, ao explorar os domínios mais obscuros da nossa existência, confessa humildemente as suas dúvidas, apreensões e preocupações. Então para quê escrevê-lo? A pergunta faz todo o sentido. Mas a verdade é que para todos os que se interessam pelos mistérios que nos rodeiam, uma coisa é certa: até agora – e de acordo com os verdadeiros especialistas – nunca ninguém decidiu fazer uma abordagem desta natureza sobre a natureza das grandes questões, passe o pleonasmo. E só pelo prazer de aprendermos algo mais, vale toda a pena ler este livro.

Que não responderá às nossas perguntas – talvez até as expanda – mas que nos obriga a pensar, a imaginar e a tentar colocar alguma ordem no caos, outra das teorias abordadas por De Sautoy. Porque as férias se aproximam e porque existem pessoas que, mesmo descansando a cabeça, não conseguem descansar da sede do conhecimento, este é o livro ideal. E, para já, fiquemos com uma das certezas incertas do autor: “Pergunto-me se a aposta mais segura será a de afirmar que nunca poderemos verdadeiramente saber o que não poderemos vir a saber”.

A relação esquizofrénica do matemático com o (des)conhecimento

© OxfordTimes
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“Deus criou os números inteiros, tudo o resto é trabalho do homem”. A citação é do matemático Leopold Kronecker (1823-1891) e é a favorita de Du Sautois, na medida em que e como afirmou numa entrevista, “consegue capturar a universalidade da matemática e, ao mesmo tempo, a ideia de que a matemática é uma criação dos homens”. Ao contrário do seu antecessor Dawkins, etólogo e biólogo evolucionista, conhecido pela defesa do ateísmo, as ideias do matemático britânico aproximam-se mais daquelas defendidas pelos “pais da matemática”, como Euclides, por exemplo, que afirmava que “as leis da natureza são apenas os pensamentos matemáticos de Deus”. E, tal como também é conhecida a citação de Friedrich Gottlob Frege (1848-1925), também ele matemático, lógico e filósofo, “um bom matemático é pelo menos metade filósofo, e um bom filósofo é pelo menos metade matemático”, o autor de What We Cannot Know junta também à racionalidade matemática o questionamento filosófico. Na sua cruzada através dos sete limites do conhecimento que elegeu, “escrutina, em cada um deles, o lugar escondido de Deus”, como escreve o The Guardian na sua crítica ao livro, ao mesmo tempo que, e ao contrário dos que entendem a ciência como a justificação para o ateísmo, acaba por equacionar Deus (afinal, é um matemático) como “ a ideia abstracta das coisas que não conhecemos”.

Mas e independentemente de questões meramente cientificas ou teológicas, o que levou verdadeiramente o autor a procurar os limites do que a ciência pode saber ou vir a saber?

É o próprio autor que o explica, na primeira pessoa, e numa espécie de cortesia para com a sua própria editora (ou marketing), por que motivo decidiu escrever este livro, principalmente numa altura em que “tanto sabemos”, em que todos os dias são desvendados novos mistérios do universo, em que é possível e 100 anos depois de serem teorizadas por Einstein, detectar directamente as ondas gravitacionais, em que são identificados genes responsáveis por doenças mortais, em que podemos “ouvir” a sonda Juno a entrar em órbita de Júpiter, como aconteceu em 24 de Junho último. E ao interrogar-se sobre se existem questões da ciência que, pela sua própria natureza, nunca poderão ser alvo de resposta, Du Sautoy confessa também ser uma atitude derrotista, perigosa até, admitir que podem existir coisas sobre as quais nunca poderemos alcançar respostas. Como escreve “enquanto o desconhecido é a força motriz para se fazer ciência, o incognoscível, por contraste, seria a némesis da ciência”.

O matemático confessa também ter uma relação esquizofrénica com este mesmo desconhecido. “Por um lado, quero saber tudo. O novo conhecimento é a marca de sucesso de qualquer cientista. Mas a verdade é que é o desconhecido que nos move. Se soubéssemos tudo, a ciência ossificaria”, afirma.

E a tese que pretende comprovar é mesmo a de que, independentemente dos progressos científicos do futuro, existirão – agora e (para) sempre – questões que ficarão fora do alcance da compreensão humana. Sendo sete os limites da ciência que o autor acredita que irão transcender sempre a mente humana, Du Sautoy define-os como “unknown Edges”, ou, em tradução talvez demasiado literal, enquanto fronteiras desconhecidas, na medida em que o autor as considera também como “o horizonte para além do qual não nos é possível ver”.

Da teoria do caos às profundezas da consciência

O físico e cosmólogo Stephen Hawking escreveu, em 1988, no bestseller “A Brief History of Time”, o seguinte: “Ainda acredito que existem motivos para um optimismo cauteloso de que possamos estar perto do final da busca do sentido último das leis da natureza”. Mas e mais uma vez, como é que as pessoas sabem que se chegou ao fim dessa busca, visto que sempre que se pronuncia o fim de alguma lei ou teoria cientifica, a mesma é sempre “continuada” mais cedo ou mais tarde?

No seu livro, Du Sautoy ilustra bem esta ideia, recordando uma palestra dada pelo físico Lord Kelvin (Wiliam Thomson), nos finais do século XIX, o qual afirmava que “não existe mais nada que falte descobrir na física, sendo que o que resta são apenas cálculos mais precisos”. Não demoraria muito tempo até Einstein provar que o lorde inglês estava errado mas, e segundo conta o autor, os cientistas continuaram a sonhar que chegaria o dia em que poderiam afirmar “missão cumprida”.

Em Setembro de 1930, e numa palestra dedicada a si mesmo, o famoso matemático alemão David Hilbert defenderia precisamente este “fim”, “comprovado” pelas suas teorias sobre o conjunto colectivo e finito de axiomas. O que Hilbert não contava é que, uns dias antes e exactamente na mesma cidade em que havia proferido a sua auto-homenagem (Königsberg), um jovem lógico demonstraria exactamente o oposto: que qualquer sistema matemático imaginável teria de conter proposições que não poderiam ser provadas, o que deitava completamente por terra a ideia, ou o ideal, de que qualquer “conclusão/fim” em ciência não passaria de mera fantasia. Esse jovem matemático, Kurt Gödell, autor do Teorema da Incompletude e que viria a “destruir” o denominado Programa de Hilbert, é um dos grandes inspiradores de De Sautoy.

© DR
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Na sua senda pelas questões que a ciência nunca irá responder, pelo menos em princípio, o autor foi forçado também a ir muito além da sua área de especialização, tendo entrevistado cientistas de várias disciplinas, desde a física quântica, a cosmologia, a neurociência, entre outras, para identificar as já anunciadas sete “fronteiras” do conhecimento.

A primeira está relacionada com o fenómeno do caos, cuja teoria assegura que até as mais bem fundamentadas previsões podem sempre “sair” erradas. Esta teoria, que se aplica em particular à maioria dos sistemas naturais, implica igualmente a “sensibilidade” extrema a pequeníssimas mudanças, tornando-se assim não previsível na prática a longo prazo. Este problema foi inicialmente postulado pelo cientista americano Edward Lorenz, em 1972, num famoso paper cujo título a maioria de nós sabe de cor: “pode o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado no Texas?” ou, em versão curta, o denominado “efeito borboleta”. Seguem-se outras “barreiras”, como as relacionadas com o cosmos, ou os mistérios mais recônditos do tempo e do espaço – Du Sautoy escreve sobre as mais recentes investigações que demonstram (?) que o tempo é um “fenómeno emergente”, “fluido e não absoluto” e que algumas partículas são imunes ao mesmo, confessando em simultâneo não conseguir perceber de que forma é que a descarga espontânea de neurónios pode gerar “consciência” e um “sentido do eu”.

Mais uma vez, e dada a confessa ignorância cientifica de quem está a escrever este artigo, é a forma como descreve a sua viagem através dos limites do conhecimento que maior curiosidade desperta aos potenciais leitores. “A minha jornada levou-me do muito pequeno ao muito grande, do interior do átomo aos limites do universo e para além dele. Olhei para trás para ver se encontrava algo anterior ao Big Bang e para a frente para tentar perceber se o tempo se pode auto-esgotar. Olhei para o interior da minha mente para questionar se algum dia saberei o que é que realmente me confere experiências conscientes e olhei para o interior da sua mente para tentar perceber se você não é apenas um zombie mascarado de ‘ser consciente’”.

É assim que Du Sautoy descreve a sua viagem, expondo, igualmente, os “preliminares” que lhe deram origem, numa outra entrevista que concedeu ao jornal universitário da Universidade de Bristol ou, mais concretamente, aos dois principais motivos que o inspiraram a fazê-lo: o primeiro está relacionado com o lugar que ocupa enquanto professor em Oxford, ministrando a cadeira original e inicialmente ocupada por Richard Dawkins – a “ Compreensão Pública da Ciência” – e também com a “responsabilidade” que tem, no Reino Unido, visto ser conhecido pelos vários programas televisivos que já fez exactamente para “traduzir” o que é incompreensível para a maioria de nós. Afirmando que, e de repente, toda a gente parecia considerar que ele sabia tudo sobre todas as ciências – o que define como algo “bizarro” – foi também por isso que se interessou em perceber quais eram os limites para aquilo que se pode saber. A segunda inspiração recebeu-a exactamente do seu antecessor, o qual e de acordo com as suas palavras, “fala mais de Deus do que de ciência” [apesar de se assumir como ateu]. “Se Deus é definido como algo que transcende a nossa compreensão”, afirma, “é porque existe ou não existe?”, pergunta ainda.

Apesar de o livro já ter suscitado algumas críticas, a verdade é que Du Sautoy tem muita razão num aspecto em particular: o de qye vivemos numa era “muito científica” na qual os desenvolvimentos na ciência têm profundos impactos na nossa vida. E, como afirma, “se as pessoas não perceberem esses desenvolvimentos, sentir-se-ão arredadas dos debates”. Por exemplo, como se pode ter opinião sobre as culturas geneticamente modificadas ou sobre a pesquisa das células estaminais? Como interroga, “se não sabemos o que é uma célula estaminal, como podemos debater se a pesquisa é, ou não é, moralmente justificada?”

E sim, este livro pode ter mais perguntas do que respostas. Mas afinal, é mesmo isso que move a ciência.

Nota: No dia em que este artigo foi escrito, foi divulgado na imprensa que um conjunto de investigadores da Universidade de Aveiro descobriu a resposta para um fenómeno que, há mais de 100 anos, Einstein garantia não ter solução: a existência de uma forma capaz de medir a velocidade instantânea de micro e nanopartículas. A investigação foi publicada na prestigiada revista Nature Nanotechnology e promete revolucionar várias indústrias. E, quem sabe, negar aquilo que Marcus Du Sautoy considera como um dado adquirido: que existem limites que a ciência nunca conseguirá ultrapassar.

Editora Executiva