Nesta segunda-feira, dia 10, “passou por nós”, a dezoito vezes a distância da Lua, um asteróide com 36 metros de comprimento (os corpos pequenos dificilmente são redondos). Já havia sido detectado em 2017, o que aparenta ser um desempenho formidável dos cientistas e dos seus instrumentos
POR PEDRO COTRIM
Varrem-se os céus há muito na ânsia de detectar pedregulhos que possam acabar connosco. Os medos primitivos vinham de cima e aí se colocou a morada das divindades, pois um tremor do céu, numa sociedade de há uns séculos, poderá ter parecido tão devastador como um terramoto ou um dilúvio bíblico.
A primeira observação de um cometa é a sua descoberta, como efectivamente sucede em Don’t Look Up. Costumam ser descobertos pelos astrónomos que comparam várias imagens e fotografias das zonas do céu que estão a estudar. As descobertas são comunicadas aos diversos organismos astronómicos, e, por fim, publicadas pela União Astronómica Internacional. A trajectória pode ser rapidamente calculada.
Na maioria das vezes, o cometa é baptizado com o nome de quem o descobre. Pode, no entanto, acabar por vir a apresentar mais que um nome próprio na sua designação por ser muitas vezes descoberto quase em simultâneo por mais que um observador.
Pelo facto de não se terem agregado em planetas, cuja formação ocorreu muito depois dos primórdios do Sistema Solar – invoque-se Newton e o “Matéria atrai matéria na razão directa das massas e no quadrado inverso da distância que as separa” –, e pensando um pouco no processo de acreção (v. Caixa), chegamos a conclusões espantosas como esta do parágrafo seguinte.
Os cometas sofreram apenas um ligeiro processo de acreção inicial e são constituídos pelas matérias mais primitivas do Sistema Solar, tendo sofrido poucas alterações em milhares de milhões de anos, e o estudo destes viajantes pode trazer-nos uma mole de informação. Além de visitantes dos confins, são também viajantes no tempo, transportando indicações rigorosas sobre a nossa casa dos primórdios.
Mas os cometas meteram medo. Por exemplo, o que ficou conhecido como “Grande Cometa de 1680” tinha sido avistado pela primeira vez por um astrónomo saxão em 14 de Novembro. Em Dezembro, o comprimento da sua cauda já alcançava os 30°, e dois dias depois uns incríveis 90°. Um quarto de circunferência de comprimento ou meia abóbada celeste. Terá sido uma visão aterradora, uma espécie de grande espada do juízo final a assombrar o firmamento. Claro que não colidiu com a Terra.
Sem cidades iluminadas, houve muitos registos de cometas. Não eram precisos telescópios, pois o céu profundo era visível de qualquer postigo. Há uma belíssima publicação pela BNP intitulada Tratado dos Cometas que Apareceram em Novembro Passado de 1618, elaborada no começo do século XVIII por Manoel Bocarro Francês. O tratamento da obra ficou ao cuidado de Henrique Leitão, o que constitui uma absoluta garantia de rigor. Quem quiser saber mais sobre estas histórias da história tem este pequeno livro à disposição. Também poderá ler sobre o Halley de 1910 e ficar com uma ideia do terror do cometa que os nossos bisavós viveram.
Em termos de ciência pura e actualizada, o que poderá suceder nos nossos dias?
Primo – A detecção. Vê-se melhor e vai ver-se ainda melhor. O Hubble faz milagres, os aparelhos terrestres são muito sofisticados e daqui a cinco meses haverá James Webb a funcionar; talvez não estejamos ainda preparados para as informações espantosas que nos vai trazer. Neste momento a capacidade de detecção impressiona. Nesta segunda-feira, dia 10, “passou por nós”, ou a dezoito vezes a distância da Lua, um asteróide com 36 metros de comprimento (os corpos pequenos dificilmente são redondos). Já havia sido detectado em 2017, o que aparenta ser um desempenho formidável dos cientistas e dos seus instrumentos. A resposta à pergunta entretanto surgida: as consequências na Terra de um impacto de um asteróide deste tamanho dependerão da constituição do asteróide, da velocidade e do ângulo de impacto e da própria geologia da zona em questão. Seria grave? Sem dúvida. Mataria muita gente? Sem dúvida. Causaria a extinção em massa da nossa espécie? Sem dúvida que não.
Secundo – O que se pode fazer no caso de detecção de um corpo celeste que venha a colidir com a Terra? Depende de muitos factores. Em Don’t Look Up recorreu-se a uma técnica quando aparentemente se poderia ter usado uma mais eficaz. Qualquer uma delas é extremamente duvidosa, mas a tecnologia avança grandemente e a resposta não será directa.
Tertio – É provável que aconteça? Houve grandes colisões no passado. É provável que a extinção do Cretáceo-Paleoceno, a que matou os dinossauros, tenha sido uma colisão. Há cento e poucos anos houve Tunguska e a tremenda sorte de ter ocorrido numa Sibéria muito mais deserta que nos nossos dias. Em 2013 houve o meteoro de Chelyabinsk. Novamente sorte e não vale a pena dizer que os bólides do espaço fazem pontaria à Sibéria. Este último teria cerca de 20 metros de comprimento e o ângulo de entrada foi muito agudo, pelo que percorreu muito mais atmosfera do que aconteceria se tivesse vindo numa trajectória mais vertical. Queimou-se totalmente no ar que nos proteje, não sem antes brilhar mais intensamente que o Sol e não sem depois originar uma onda de choque que causou estragos a dezenas de quilómetros do local da desintegração. Se a trajectória fosse diferente, haveria certamente muitos mortos a lamentar, e não as espantosas zero fatalidades, iguais aos zero mortos de Tunguska.
Quarto – É provável que aconteça (parte II)? Apesar de se soltarem continuamente asteróides e outros objectos a partir da cintura de asteróides, da cintura de Kuiper e da nuvem de Oort , os grandes corpos do Sistema Solar, particularmente o Sol e os gigantes gasosos (embora todos os planetas, devido ao campo gravítico, tenham desempenhado um papel semelhante), foram-se encarregando de “aspirar” os detritos que por aí vagueavam quase ao acaso. Ainda recentemente, em 1994, o cometa Shoemaker-Levy colidiu com Júpiter. Resultado imediato: Júpiter – 1, Terra e restantes planetas – 0, e também menos umas pedras grandes à deriva pelo Sistema Solar. Muitas colisões da mesma magnitude terão ocorrido no passado, mas o número de resíduos do Sistema Solar foi gradualmente reduzido ao longo dos anos. Portanto, apesar de o Sistema Solar ser praticamente complanar, não estamos propriamente numa carreira de tiro.
Quinto – Se houver um evento de extinção global vindo do espaço vamos todos morrer de uma vez? Não. O evento de extinção mais divulgado é o do Cretáceo-Paleoceno, mencionado em Tertio. Se foi realmente a tal colisão, conforme é indicado pela maioria dos estudos, morreram certamente muitos milhões de animais com o impacto, mas a maioria foi morrendo ao longo dos anos seguintes devido ao Inverno nuclear que se seguiu, aos alimentos, à água contaminada e a outros factores de degradação ambiental. Podem inclusivamente ter sobrevivido várias gerações de muitas espécies. Portanto, a extinção em massa não é o mesmo que ver os nossos telemóveis explodirem todos ao mesmo tempo.
Sexto – Corremos o risco de uma extinção global? Sim e lidamos com ela todos os dias. Chama-se Alterações Climáticas e está a pôr em risco a humanidade. Podem não ser os 50 graus de um dia de Verão a causar-nos morte súbita, mas irão ocasioná-la a muita gente. A extinção de ecossistemas, o apodrecimento de vegetação essencial, a forma desvairada como contaminamos a nossa casa tratarão do resto. E se não formos nós serão os nossos netos ou bisnetos. No dia 10, no tal dia em que o meteoro de 36 metros passou aqui perto, foi divulgado um press release do Instituto Copérnico afiançando que os últimos sete anos foram os mais quentes desde que há registos.
Septimo – Vamos a tempo de evitar esta extinção? Vamos, mas teremos de começar a actuar seriamente já amanhã, dia 15 de Janeiro de 2022. E sem contemplações, senão em poucas gerações não haverá nada para contemplar.
Acreção
Se existirem focos de matéria, e uma vez que a massa gera gravidade, os detritos de que estiverem à deriva tenderão a aglomerar-se em blocos cada vez maiores: basta haver uma perturbação nas proximidades que desequilibre um pouco a inércia do movimento uniforme. As galáxias, as estrelas, a Terra e os outros planetas foram ganhando forma, massa e matéria suficiente para se tornarem redondos e estáveis por efeito da acreção.
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