Mostrar o bairro ao mundo e trazer o mundo ao bairro foi o mote de um dos principais eventos de arte e inclusão que se realizam no País: o Festival “O Bairro i o Mundo”, que decorreu entre os dias 20 e 23 de Junho, no Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, mostrou como urbanizar pode significar humanizar Mostrar o bairro ao mundo e trazer o mundo ao bairro foi o mote de um dos principais eventos de arte e inclusão que se realizam no País: o Festival “O Bairro i o Mundo”, que decorreu entre os dias 20 e 23 de Junho, no Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, numa organização conjunta da Câmara Municipal de Loures e da Associação Artística Teatro IBISCO (Teatro Inter-Bairros para a Inclusão Social e Cultura do Optimismo), com o apoio da Junta de Freguesia da Apelação e do ACIDI – Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. A iniciativa, que reuniu a participação de mais de cem artistas de rua, que pintaram as fachadas dos prédios do bairro, conferindo cores novas e alegres à Quinta da Fonte, contou ainda com a colaboração de inúmeras empresas, voluntários, músicos, performances e outros artistas e moradores do bairro. O desafio proposto? Alterar quotidianos e as cores do estigma que paira sobre este bairro social. Como? Com trabalho e vontade de colocar a arte ao serviço da comunidade, promovendo a inclusão social e o diálogo intercultural.
Recorde-se que há precisamente cinco anos, em Julho de 2008, a Quinta da Fonte foi notícia de abertura dos telejornais durante vários dias, devido ao tiroteio que ali decorreu entre as comunidades cigana e africana que vivem no bairro. Urbanizar é Humanizar Este ano, a Câmara de Loures e a associação IBISCO alargaram o evento a todas as formas de arte, num esforço de tornar o projecto “O bairro i o mundo” num símbolo do início de uma nova metodologia de intervenção nos bairros sociais. A estratégia surge ao fim de cinco anos de trabalho e “muito investimento nas áreas da segurança, habitação e inclusão social” na Quinta da Fonte, segundo divulgou a organização do Festival: nesta edição “decidimos apostar num festival que dê a conhecer os bairros de Loures, aqueles de que ouvimos falar nas notícias normalmente pelas piores razões”. Foi pois com os “olhos, ouvidos e coração postos nos outros bairros”, que o Festival constituiu uma mostra do que é um “bairro ocupado e não preocupado”, e do que “os outros bairros têm para oferecer”, a exemplo da Quinta da Fonte. Em destaque ao longo do Festival, e a par do cartaz musical que animou o concelho de Loures, estiveram inúmeros eventos que dinamizaram actividades entre pessoas que habitam estes bairros (no âmbito do projecto Nós no Bairro) e outras, oriundas dos mais diversos pontos do planeta (O Mundo no Bairro). De sublinhar a OPA (ocupação pública artística) realizada durante os quatro dias do Festival, que deu lugar a “actividades para todos, do rapper à cantoneira e da minhota ao timorense”. Outro ponto alto do evento foi a apresentação do projecto “IGNITE”, realizada no Teatro IBISCO – Centro Comunitário da Apelação, que levou váriostransformadores sociais à Quinta da Fonte. Partilhar experiências de empreendedorismo “tão inspiradoras que sejam capazes de provocar uma transformação em cada um dos assistentes” foi a ambição com que partiu o grupo de jovens que dá corpo ao IGNITE, para este Encontro no Festival O Bairro i o Mundo. Por último, sublinhe-se o Debate “O meu Bairro, a minha Casa, Nha Bairro Nha Casa”, que reuniu, no dia 22 de Junho, diversos oradores (vereadores, arquitectos, moradores, etc.) numa reflexão séria sobre os bairros. Com o objectivo de promover o cruzamento de culturas do dia-a-dia actual, decorreram ainda acções tão particulares como bilhar indiano, narração de estórias cabo-verdianas, mostras gastronómicas (de moamba ou Cabrito à cigano, por exemplo), workshops de grafitti, jogos tradicionais, artesanato, performances de rappers do bairro e sessões de danças populares, como a morna ou o vira Entre as inúmeras e verdadeiras obras-de-arte pintadas nos murais dos prédios da Quinta da Fonte, há que deixar uma palavra ao excelente trabalho de Nelson Tavares, no retrato que faz do histórico presidente sul-africano negro e Prémio Nobel da Paz em 1993, Nelson Mandela, citando-o no pensamento: “se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. Já no âmbito do Mandela Day, que comemorou a 18 de Julho o 95º aniversário de “Madiba”, O Bairro i o Mundo prestou homenagem ao resistente anti-apartheid, associando-se à data através da divulgação da obra acabada de Nelson Tavares. “Territórios Invisíveis” Entre os principais objectivos do projecto, os promotores destacam a alteração de comportamentos na forma como os moradores se apropriam das habitações sociais e do espaço público, a promoção do sentimento de pertença comunitário, e a mudança de imagem de territórios marcados pelo estigma, a qual “condiciona em quase tudo a vida dos seus milhares de habitantes”.
Tendo por base uma estratégia de acção consertada entre a Educação, Formação e Empregabilidade e o Sector das Indústrias Criativas, o projecto defende que “a aptidão para competir e prosperar na economia global não se limita à troca de bens e serviços ou ao fluxo de capital e investimento”, mas, e “cada vez mais, na habilidade das nações em atrair, reter e desenvolver pessoas criativas”. É, pois com base nesta premissa de que “a competitividade futura vai depender dos 3 T’s do crescimento económico – Tecnologia, Talento, Tolerância”, que o projecto “Territórios Invisíveis” dota os jovens de novos conhecimentos, valores e competências “geradores de comportamentos e boas práticas fundamentais para uma vivência pacífica, segura e harmoniosa no seio da comunidade onde residem e na sociedade em geral”. Apoiar a formação escolar e profissional de jovens, combatendo o abandono e o absentismo escolar; integrá-los no mundo do trabalho promovendo a sua empregabilidade; e melhorar a sua auto-estima, apostando na sua integração social, com vista à sua segurança e cidadania plena, são os grandes objectivos desta iniciativa, que também dinamiza debates sobre exclusão social e pobreza e acções centradas na criatividade artística, bem como estratégias de desenvolvimento local e de defesa da identidade cultural, através projectos de intervenção que vão ao encontro das raízes dos territórios, e que permitem o intercâmbio social entre comunidades imigrantes e comunidades autóctones.
Será vandalismo limitar a arte? Como já referido, o desafio vindouro será aplicar este modelo de intervenção nos outros bairros sociais do concelho de Loures, devidamente adaptado a cada contexto. E, se a Quinta da Fonte foi a primeira experiência a este nível, o sucesso do Festival dita que o futuro próximo passa por consolidar o projecto no bairro, “através da conclusão de obras que ainda estão em curso, e do desenvolvimento de projectos de divulgação do museu de arte urbana e de outros que envolvem os moradores” para, de seguida iniciar este mesmo trabalho num outro bairro: “em breve, estaremos em condições de anunciar onde terá lugar o segundo O Bairro i o Mundo”, anunciou a organização. Até lá, o bairro não pára, realizando actividades artísticas e culturais como a exposição de Rui Carvalho, “Vejam o que os meus olhos vêem”, que esteve patente no Centro Comunitário da Apelação, entre 15 a 30 de Junho; acções de limpeza do Bairro, com a intervenção de moradores e não moradores voluntários; ou a promoção de tertúlias e Encontros temáticos, como foi o caso do Debate “Segurança somos todos” / “Segurança i a nós Tudo”, que recentemente analisou a questão da Segurança e a intervenção policial nos bairros sensíveis, colocando frente a frente responsáveis da PSP e do Contrato Local de Segurança, bem como representantes da comunidade e da Escola. Em diálogo permanente estão também os artistas de arte urbana, que não desistem de combater, de uma forma construtiva, a proposta de Lei anunciada pelo Governo em Junho, que impõe que os trabalhos de Graffiti só possam ser efectuados depois de as Câmaras Municipais que tutelam a zona onde serão instalados aprovarem os respectivos projectos e emitirem sobre eles uma licença. Mais um caso que demonstra como, neste início de milénio, ‘a liberdade não está a passar por aqui’.
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Jornalista