A compreensão aprofundada dos comportamentos dos nossos adolescentes “é essencial, mas não nos diz como podem escolher objectivos” estruturantes para o seu futuro ou estilos de vida saudáveis. Ao nível de políticas da saúde dirigidas a jovens, é “preciso reforçar esforços para não perder o rumo: avaliar as acções, divulgar boas práticas, criar uma agenda própria de carácter científico”, diz em entrevista a coordenadora do estudo HBSC, cujas conclusões de 2010 (animadoras, por sinal) foram agora divulgadas
O HBSC / OMS – Health Behaviour in School aged Children é um estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde que estuda, de quatro em quatro anos, o estilo de vida, problemas e contextos de vida dos adolescentes, em 44 países da Europa e da América do Norte. Em Portugal, a investigação realizada pela equipa dos projectos Aventura Social, da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) e do Centro da Malária e Doenças Tropicais, envolveu mais de cinco mil alunos inquiridos, com uma idade média de catorze anos, incluindo adolescentes de ambos os sexos, do 6º, 8º e 10º anos de escolaridade, do continente e da Madeira. A avaliação dos estilos de vida dos adolescentes e dos seus comportamentos nos vários cenários das suas vidas registou uma evolução positiva, face aos estudos anteriores, realizados em 1998, 2002 e 2006, mas há um longo caminho a percorrer a muitos níveis, que requer um trabalho continuado e articulado, conclui a coordenadora do estudo, Margarida Gaspar de Matos. Adolescentes mais obesos Quanto ao consumo de drogas, a experimentação de haxixe aparenta uma tendência para aumento depois da “baixa histórica de 2006” (de 8,2% para 8,8%), diz Margarida Matos. A experimentação de outras drogas também subiu ligeiramente e o número de adolescentes que nunca consumiu substâncias ilícitas diminuiu bastante em 2002 (93,4%, face aos 97,5% registados em 1998), mantendo-se sem alterações significativas desde então. O consumo regular passou de 1,1% em 2006, para 1,4%, em 2010. Quanto a estilos de vida mais ou menos saudáveis, os jovens passam mais tempo sentados frente a um ecrã, principalmente em frente ao computador: 16,8% dos jovens utilizam o computador durante mais do que quatro horas/dia durante a semana, valor que em 2006 era 14,9%. Já a média dos que vêem televisão durante mais de quatro horas, durante a semana, diminuiu de 35,8% em 2006 para 25,2%, em 2010. Embora cerca de metade dos adolescentes pratique actividade física três vezes ou mais por semana, e 80% mantenha o bom hábito de tomar o pequeno-almoço todos os dias, o aumento do excesso de peso, registado para a infância desde há uns anos, “parece ter chegado à adolescência”. Mantém-se o aumento do consumo de doces, iniciado em 2002, e 10% dos jovens fazem dieta. Segundo a especialista, a saúde dos jovens adolescentes reflecte uma situação favorável, “associável a políticas sectoriais e intersectoriais eficazes mas que, de algum modo, reflecte também uma grande dificuldade de sustentação dessas medidas assim que começam a ter resultados positivos. O excesso de peso, tal como o aumento na experimentação de haxixe revelam isso mesmo, conclui. Consumos aditivos e novas formas de violência sob escuta
Os jovens declaram-se mais à vontade para falar de sexualidade com os colegas e menos com pais e professores (tanto em 2006 como em 2010), o que implica “uma reflexão aprofundada sobre o papel dos pais e a formação de professores”. Sobre os primeiros, o Health Behaviour in School aged Children conclui que houve uma valorização sociocultural e escolar da geração dos pais, associada potencialmente a uma maior valorização da escola e a comportamentos de saúde ou de valorização da saúde. Para a coordenadora do projecto da equipa do Aventura Social & Saúde, é necessário continuar atento “às questões do consumo de drogas, álcool e tabaco e da educação sexual, para garantir mudanças sustentáveis e evitar surpresas com problemas emergentes”. Atento também é necessário estar em relação “à história contemporânea: a violência diminuiu mas novas formas surgem, como a violência auto-dirigida e a violência via novas tecnologias de informação e comunicação, alerta. Por último, e como explica em entrevista ao VER, para Margarida Gaspar de Matos, ao nível de políticas da saúde dirigidas a jovens em idade escolar, é “preciso reforçar esforços para não perder o rumo: “por muitas boas práticas que se tenham iniciado e concretizado, e por muito trabalho que tenha sido feito com jovens, nas escolas e nas comunidades, salientam-se dois efeitos perversos: o primeiro é a falta de continuidade e sustentabilidade das acções, o segundo é a carência de uma agenda própria, robusta e consistente, de carácter científico, que impeça a política do sector de andar sempre (atrasada e intermitente) atrás dos problemas. Como comenta as principais conclusões da edição de 2010 do estudo Health Behaviour in School-aged Children, que revelam uma evolução positiva na maioria dos indicadores analisados? O problema é que quando se começou a falar de “crise” muitas destas acções foram descontinuadas e a grande melhoria de indicadores verificada entre 2002 e 2006 não permaneceu assim tanto até 2010. Refiro-me, Nomeadamente, às questões da alimentação, excesso de peso, tempo de ecrã associado a baixo índice de actividade física e ao aumento de experimentação de haxixe. Quais são os factores que destaca pela positiva? E pela negativa? O mesmo sucede com o desporto. A actividade física não pode ser só competição e boas marcas…ou sacrifício. Tem de ser um prazer e um espaço de convívio diversificado. Após tanta acção nas escolas, o fracasso das medidas que estão no terreno tem de nos fazer pensar em alternativas que incluam o prazer e sejam culturalmente relevantes. Agora que passam mais horas no computador, os jovens passam menos tempo a ver televisão. Mas em qualquer dos casos, o excesso de tempo que passam sentados frente ao ecrã, associado à ingestão de doces e refrigerantes, estará sem dúvida a apontar uma explicação para o aumento do excesso de peso entre os adolescentes. Já no que concerne consumos aditivos, o consumo de tabaco tende a baixar, bem como a ingestão de álcool com regularidade. Já o abuso de álcool, concentrado ao fim de semana, tende a aumentar e regista-se um aumento no consumo de drogas muito ligeiro mas também muito sistemático e em praticamente todos os produtos. Quanto ao recurso a tecnologias (Internet, redes socais, televisão), todos os miúdos têm computador e ligação à Internet e isso parece-me bom: acesso a informação. Por outro lado, cerca de quinze por cento destes jovens já foram molestados online, mas a grande maioria sabe lidar com as situações. Contudo, e apesar da tinta toda que corre a respeito de bullying, as provocações e as lutas em meio escolar estão a diminuir desde 2002. As situações de violência continuam a ser preocupantes, nomeadamente os casos de vitimização, mas os resultados a este nível têm sido um sucesso, tal como os do consumo de tabaco. O ciberbulling, que não é um fenómeno novo, está muito localizado. Os miúdos são mesmo “digital native” e, alem disso, existem programas escolares que os ensinam a defender-se. Finalmente, ao nível de comportamentos sexuais há uma necessidade de intervenção precoce junto dos adolescentes mais novos, que tipicamente não têm ainda uma actividade sexual genital, e são os que estão potencialmente mais em risco de virem a ter relações desprotegidas. A informação não gera doenças sexualmente transmissíveis, nem gravidez indesejada. A ignorância sim. Por isso a hipocrisia a este nível prefigura um crime de saúde pública, qualquer que seja o partido ou o grupo religioso a subscrevê-lo. Mas a informação por si só não basta, deve servir para construir competências que permitam negociar, recusar, conversar, tornando-se útil na altura certa.
Os adolescentes portugueses estão demasiado preocupados com a sua imagem? Que leitura faz da percepção que muitos têm do excesso de peso, referindo problemas de obesidade? Qual é a sua percepção sobre o modo como os adolescentes encaram a escola? Valorizam suficientemente a aprendizagem? É incompreensível como a questão do sucesso académico dos alunos em relação à Europa não nos deixa muito bem colocados. Claro que tivemos há 35 anos vários anos de obscurantismo cultural e de uma educação de elite, e o país ainda está a ajustar-se a uma educação de massas, como tem e deve ser… mas até quando? Como podem os políticos de educação e saúde, os técnicos de saúde e os professores e pais trabalhar melhor em conjunto? Em que medida a compreensão aprofundada dos estilos de vida e comportamento dos nossos adolescentes permite melhorar os seus comportamentos de saúde, reduzir comportamentos de risco e promover a sua integração em ambiente escolar? Essa percepção é ainda mais importante no actual contexto de crise socioeconómica?
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Jornalista