A mensagem do Papa Francisco transmitida no final desta quaresma realça uma verdade fundamental destes tempos desafiantes que todos estamos a viver. Diz o Papa “ninguém ganha esta guerra contra a pandemia sozinho”. Esta é uma mensagem que tem muito de verdade mas também muito de desafiador. E sobretudo o mais desafiador vem do contexto laboral
POR RICARDO ZÓZIMO

Claro que muito se tem falado nos últimos tempos sobre a responsabilidade dos empresários e empreendedores portugueses para com os seus trabalhadores. Queria contribuir para esse debate sobre a responsabilidade de cada um no seu espaço laboral tentando oferecer uma perspetiva distinta que recai mais sobre a responsabilidade que temos uns para com os outros. Claro que não quero com isto esquecer as responsabilidades hierárquicas em cada empresa, mas quiçá pretendo focar-me mais na responsabilidade coletiva que temos todos uns para com os outros neste tempo de crise e de incerteza.

Para enriquecer a nossa reflexão proponho continuar esta viagem pelas palavras do Papa. Assim, convidando cada um a sair da sua própria experiencia pessoal, proponho utilizar a carta convite do Papa Francisco aos jovens para o encontro mundial sobre modelos económicos atuais e futuros como ponto de reflexão. Nesta carta, o Papa propõe três princípios: que consigamos criar um modelo económico de jovens para jovens; que criemos um sistema que cuide da casa comum e, por último, que os modelos económicos do futuro sejam capazes de incluir mais do que excluir. Inicialmente pensado para o final de Março mas adiado por esta pandemia para Novembro, este encontro será em Assis, Itália e temos mais de 50 portugueses a participar.

Gostava de pegar nestes três princípios e aplica-los à responsabilidade que cada um de nós tem para com os seus colegas. Começo pelo primeiro princípio: de jovens para jovens. A ideia deste principio nasce da experiencia que o Papa Francisco tem quando ainda estava em Buenos Aires. Aí, o Papa criou uma fundação Scholas Ocurrientes que deu aos jovens um papel predominante na resolução de problemas que os afetassem direta ou indiretamente. A metodologia desta fundação é juntar jovens com outros jovens para resolver problemas e claramente a mensagem para o nosso contexto atual é sobretudo olhar para a força dos pares, aqueles que estão ao nosso lado. Em formato de reflexão deixo algumas perguntas preparadas para ação: a qual dos meus pares já liguei? E se já pensei ligar sobre que vamos conversar? E se souber que alguém está em lay off, evito essa chamada? Penso que são tudo pensamentos importantes e todas as ações têm justificação, no entanto, em muitos casos que conheço, pessoas que almoçavam juntas quase todos os dias deixaram de partilhar muito da sua vida. Levando este pensamento mais além, convido-vos a ligar aos colegas que se calhar são menos populares no escritório. Penso que essa chamada fará milagres.

Olhando para o segundo principio – o da regeneração da terra – este tempo de pandemia oferece-nos a possibilidade de refletir seriamente nos frutos que são gerados através das relações entre colegas de trabalho. Se no passado era natural pensar-se que as relações em espaço laboral existiam para dar o máximo de valor à organização, a mudança de paradigma em relação ao papel da organização faz-nos hoje pensar que o espaço laboral tem de ser diferente. E diferente sobretudo a duas dimensões: por um lado tem de ser um espaço onde as relações são fonte de construção de identidade positiva e, por outro lado, as relações laborais têm o potencial de conseguir ligar a organização à comunidade. E isto é cada vez mais visível na forma como muitas das empresas ACEGE estão a liderar os esforços. Aqui deixo duas perguntas: que projetos de ligação à comunidade pode a vossa empresa fazer que fossem liderados pelos vossos colegas? Como vai ser o day after do Covid-19 na vossa relação com a comunidade e qual pode ser o papel do vosso departamento?

O último princípio sublinha a importância da inclusão e exclusão. Uma crise destas dimensões vai seguramente deixar algumas pessoas melhores e bastantes pessoas com muitas dificuldades. Tal como em outras crises recentes e passadas, os mais pobres e aqueles que já eram mais vulneráveis são aqueles que mais sofrerão. E aqui penso que o Papa nos convida a reconhecer que independentemente do que acontecer nesta crise, todos devemos cultivar uma cultura de dignidade laboral para com todos. Aqui, se calhar, pode-nos ser pedido que ajudemos aqueles que já sabemos que vão passar por necessidades. Pode-nos também ser pedido que nos preocupemos com aqueles que são invisíveis no nosso local de trabalho – sobretudo aqueles em posições hierarquicamente menores. Que poderíamos fazer para os contactar e oferecer ajuda?

Espero que estas reflexões viradas para a ação ajudem a cimentar o espírito de grupo e partilha entre colegas de trabalho. Estou seguro que o futuro será construído através de um espírito de reinvenção sobretudo das relações entre pares. E assim deixo uma última pergunta. Que mecanismos tem a vossa empresa para capturar toda esta atividade entre pares? Poderiam por exemplo, criar um conselho de jovens dentro das vossas empresas que pensasse nas consequências do Covid-19 e fizesse recomendações à gestão. Claro que em muitas empresas isto pode não ser possível, mas eu acredito que ouvir os jovens – em idade ou em tempo de empresa – pode ser parte da solução para muitas empresas do Universo ACEGE que têm desejo de ultrapassar esta crise juntando o talento dos mais jovens com a experiência e sabedoria da equipa de gestão. E esta seria uma ideia muito alinhada com o espírito da Economia de Francisco que vamos fazer acontecer em Assis em Novembro.

Professor Universitário de Empreendedorismo e Sustentabilidade na Nova SBE